segunda-feira, 15 de julho de 2019

AINDA O POPULISMO



(O dossier “populismo” está aberto neste blogue e o meu principal objetivo é divulgar interpretações que nos permitam compreender a deriva política mais comprometedora da democracia nos tempos que correm. Hoje é tempo de regressar aos contributos de Dani Rodrik.)

Já percebemos que a estabilidade mundial e a preservação da democracia nos países em que ela amadureceu estão ameaçadas, União Europeia incluída, por uma deriva política que erradamente, como diz Jan-Werner Müller (ver penúltimo post), muitos tentam compreender invocando os ensinamentos da história.

O mainstream da economia está pouco preocupado com essa deriva, porque continua a pensar que mergulhar nessas questões equivaleria a conspurcar irreversivelmente o mundo pretensamente neutral dos valores em economia. Mas já aqui referi que economistas bem representativos e considerados entre pares não pensam assim. Barry Eichengreen (Universidade de Berkeley) está nesse grupo e, como referi no penúltimo post, a ele se deve a mais profunda e consistente explicação do populismo contemporâneo na sua dimensão mais económica, com base em três drivers de geração do populismo: o nacionalismo económico e político, o ataque descabelado às elites e a rejeição do outro (os fantasmas das migrações).

No Project Syndicate de 9 de julho, Dani Rodrik (link aqui), o economista mais conceituado da globalização, dos seus limites e contradições, retoma pistas de análise anteriores para se concentrar numa promissora comparação entre as dimensões económica e cultural do populismo.

A dimensão económica do populismo estaria essencialmente ligada a choques económicos, determinados entre outros fatores por efeitos da globalização, os quais marginalizam, penalizam e isolam determinados grupos populacionais transformando-os em alvos fáceis do canto da sereia nacionalista. Rodrik invoca o já célebre artigo de 2016, de autoria de David Autor, David Dorn, Gordon Hanson e Kaveh Majlesi sobre o impacto das importações chinesas na economia americana para explicar a base social que suporta a presidência de Trump. As teses de Autor e dos seus colegas sustentam que, se no período de 2002 a 2014, as importações chinesas na economia americana fossem 50% mais baixas então Hillary Clinton teria ganho as últimas presidenciais. Eichengreen demonstra que nos diferentes surtos populistas ao longo da história mais recente existe sempre algum desagravo mais forte provocado em determinados grupos sociais. Este argumento exige, contudo, alguma cautela na sua utilização, pois a história dinâmica da inovação e do capitalismo está cheia de choques desta natureza, com perdas de emprego e forte penalização social, que não deram sempre origem a movimentos populistas. Mas convém ter presente que, ao contrário do liquidacionismo tão caro a Schumpeter, uma grave recessão não é propriamente apenas um duche de água gelada.

A dimensão económica do populismo não pode, entretanto, ser ignorada, até pelo simples facto que será sempre possível contrapor uma estratégia económica de proteção relativa aos tais choques económicos, propondo políticas de inclusão e de combate efetivo à desigualdade económica.

Rodrik invoca também a dimensão cultural do populismo, a qual não nega a relevância dos argumentos económicos. A dimensão cultural está essencialmente ligada a tendências que combinam o pós-materialismo e a urbanização dos tempos mais recentes. A combinação destas duas tendências provoca uma mudança prolongada de valores que assenta antes de mais numa mudança geracional: “À medida que as novas gerações se tornam mais ricas, mais educadas e com maior segurança, adotaram valores pós-materialistas que enfatizam o secularismo, a autonomia pessoal e a diversidade em detrimento da religiosidade, das estruturas familiares tradicionais e da conformidade. As gerações mais velhas tornaram-se alienadas – tornaram-se de facto estrangeiras na sua própria terra.” Esse contraponto reveste frequentemente, como acontece no Brexit, a forma de uma oposição aberta entre os mais cosmopolitas e urbanos e os mais arreigados aos valores tradicionais e anti-globalização.

São dimensões relevantes a ter em conta, mas que não me parecem suficientemente consistentes para afastar as teses de Jan-Werner Müller que trabalha o modo como o Estado é corrompido nas suas funções mais nobres, degradando a democracia para justificar a proteção dos interesses nacionais, as reações mais securitárias e a desvalorização agressiva das elites mais cosmopolitas entendidas como representantes últimos dos interesses exteriores.

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