(A Região no European Innovation Scoereboard)
(Breves reflexões em torno de uma crónica de António Guerreiro
no Ípsilon de hoje no Público. Ou como se podem transmitir ao espaço público de opinião ideias relevantes
e a ter em conta e contradizer posteriormente o alcance dessas ideias.)
No espaço da crónica jornalístico-ensaísta que cada vez escasseia na
imprensa portuguesa, António Guerreiro é um autor que se destaca. A sua escrita
é muito elaborada, discorre sobre temas que assustam muita gente pela sua sofisticação
teórica e conceptual e é, por vezes, um observador impiedoso das fraquezas nacionais
e do capitalismo à portuguesa. Acompanhar as suas reflexões implica tempo, já
que a sua escrita exige atenção e sobretudo algumas referências para a
compreender e valorizar.
Há dias, numa das suas crónicas que abre regularmente a segunda página do ÍPSILON,
Guerreiro insurgia-se contra uma perigosa deriva da opinião escrita em Portugal,
que caracterizava como a expulsão do espaço escrito de uma intelectualidade
mais elaborada, limitando o universo da reflexão, acantonando-o e proclamando a
sua inutilidade real. Achei na altura que eram palavras sérias, ajustadas e que
dá conta de um certo estreitamento da opinião pública nacional que se vai
verificando na sequência da banalização instalada, que sobretudo a televisão e
as revistas cor-de-rosa têm vindo a consagrar nos seus espaços de divulgação.
Hoje, numa crónica designada de “A inovação é o nosso destino”, António Guerreiro
atira-se ao modo como alguns jornais em Portugal deram conta do salto
recentemente observado por Portugal e pelas regiões Norte e Centro no ranking do
“European Innovation Scoreboard”,
colocando estas regiões no estatuto de regiões fortemente inovadoras (de sinal
-): “Encontramos
aqui todo o léxico da competição e os seus operadores metafóricos. A força do
modelo competitivo do desporto desenha, para os sujeitos implicados, um
percurso de melhoramento, de modo a atingir metas cada vez mais elevadas de
perfeição, num cenário de luta de todos contra todos. O mérito de Portugal consiste
sobretudo em se ter destacado nesse percurso e ter alcançado vitórias numa
competição que começa sempre por ser contra si próprio. É a isto que se chama hoje
“desafio”e “risco”.
O cronista envolve-se depois numas confusas referências ao modo como o ministro
da Ciência e do Ensino Superior Manuel Heitor terá comentado o desempenho
recente da economia portuguesa nesta matéria, aprisionando o conceito de inovação
em torno das dimensões da “modernização tecnológica” e da “melhoria da
competitividade”, que Guerreiro considerou invasão dos domínios da ideologia,
coisa que não se recomendaria a um ministro da Ciência.
A crónica de António Guerreiro (link aqui) é um daqueles exemplos de incursões dos
intelectuais que ele tanto preza por domínios que recomendariam uma melhor preparação.
Assim, quando se fala nestas coisas, mesmo quando não se é economista, ignorar o
meta-contributo de Schumpeter para o entendimento contemporâneo destas questões equivale a um desperdício incompreensível.
Por muito que Guerreiro represente o universo dos intelectuais que tem uma reação
alérgica quando o pensamento económico é invocado, Schumpeter pertence aquele universo
de economistas em que economia e pensamento se combinam coerentemente e por
isso não pode ser ignorado mesmo quando se vocifera ou pragueja sobre inovação.
Schumpeter desenvolveu uma espécie de meta-interpretação da dinâmica do
desenvolvimento capitalista, colocando a inovação no centro dessa dinâmica e
restringindo aliás o próprio conceito de empresário em função das capacidades
para a desenvolver. “Ou mudas ou morres” é uma metáfora central da inovação que
Schumpeter identifica essencialmente como melhorias de combinação de recursos
existentes (inovações-produto e inovações-processo), acrescentando-lhe depois a
descoberta de novas fontes de matérias-primas, de novos mercados e de novos
modelos de organização empresarial como dimensões e modalidades de inovação. A
inovação é impulsionada pela necessidade de dianteira e de avanço face aos concorrentes,
cabendo à difusão dessas inovações (nos planos nacional e da economia mundial) o
contraponto ao impulso de divergência que a inovação sempre representará. Poderemos
questioná-la enquanto modelo de organização económica e social, mas a dinâmica
do desenvolvimento capitalista é esta, assenta nesta tensão dinâmica entre
inovação e difusão. Podemos questionar também se a concentração económica para
além de limites razoáveis não tenderá a manter esta tensão dinâmica.
A tensão dinâmica que a inovação representa do ponto de vista do
desenvolvimento capitalista pode ser, imperfeitamente, medida à medida que
compreendemos melhor o modo como as diferentes inovações se produzem, em que
contextos mais ou menos favoráveis, e que efeitos concretos determinaram nas
economias. Esse é o aspeto mais paradoxal da inovação. É indeterminada à
partida, isto é, não a conseguimos prever e tudo a que poderemos aspirar é
compreendê-la melhor depois de ela se concretizar. Pode António Guerreiro
discutir os contornos efetivos do índice que o European Innovation Scoreboard
nos proporciona. Outros o fizeram e isso é inevitável. O que poderemos dizer é
que o Innovation Scoreboard representa
o melhor possível o conhecimento que hoje se tem do fenómeno inovação como uma
sas principais tensões dinâmicas que define o capitalismo. Certamente que evoluirá
à medida que o nosso conhecimento da inovação for melhorando entre os
economistas, sobretudo no contexto de uma ciência económica cujo mainstream não
consegue explicar cabalmente essa mesma inovação, despertando por isso outro
tipo de problemas de conflitos entre paradigmas com reflexos no poder académico.
Por isso, as incursões mais semânticas do que conceptuais pelo tema que
Guerreiro desenvolve parecem ter sido arrancadas não se sabe donde, mas
certamente com muita dificuldade. A folha (ou ecrã) branco é sempre um problema
para qualquer um na desorganização das nossas vidinhas. Mas este contributo do
intelectual Guerreiro é do tipo do que os brasileiros designam por “puxa saco”
e não acrescenta grande coisa à defesa do intelectual no espaço da reflexão
escrita na comunicação social.
(versão corrigida, 19.07.2019, 20.00)
(versão corrigida, 19.07.2019, 20.00)
Sem comentários:
Enviar um comentário