terça-feira, 9 de julho de 2019

OS ECONOMISTAS, A POLÍTICA E O PODER



(Um tema recorrente neste blogue, de novo suscitado por um artigo de Wolfgang Münchau. Reflexões livres sobre os diferentes modos de racionalização da política, sobretudo da política económica.)

No artigo de 30 de junho no Financial Times, Wolfgang Münchau traz à colação o exemplo mais temível de influência de um economista académico sobre a decisão política e a governação, embora nunca tendo exercido um qualquer cargo político ou mesmo assumido o estatuto de Governador do Banco Central. John Maynard Keynes é o exemplo escolhido e de facto deve ser difícil encontrar na história do pensamento económico e do seu relacionamento com a decisão política e a governação económica um outro exemplo com influência similar. Claro que Keynes não fez prevalecer sempre as suas ideias. Exemplo disso foi a sua intervenção na negociação dos resgates da 1ª Guerra Mundial que haveriam de conduzir ao Tratado de Versalhes. Keynes exercia, de facto, com uma especial agilidade e dureza esse poder de influência. Os inúmeros volumes da sua obra completa estão cheios de exemplos de textos e cartas abertas dirigidos aos executores da política económica e monetária, aos mais altos níveis da decisão política. Basta recordar as cartas abertas dirigidas a Roosevelt e as suas diatribes contra os primeiros-ministros do Reino Unido e de França, por exemplo, para compreender o significado do meu ponto. Keynes não precisava de exercer o poder para ser influente. Münchau interroga-se se esse paradigma se finou por completo e atrever-me-ia a explicar esse desaparecimento pela ausência de personalidades de génio como o era o economista britânico.

Atravessámos um tempo em que pelo menos nos EUA, mas também noutros países, Suécia e Índia, por exemplo, a governação do Banco Central esteve nas mãos de economistas académicos que resolveram pôr as mãos na massa, ou segundo alguns sujá-las com heresias não académicas (Ben Bernanke – de Princeton e Janet Yellen de Berkeley são exemplos desse outro tipo de influência). Segundo Münchau, esses tempos estarão em pura extinção e a nomeação por Trump de Jay Powell para o FED marcará essa viragem.

Por cá, o exemplo de Mário Centeno como ministro das Finanças é claramente uma exceção nos tempos que correm, uma vez que se trata de um economista académico que entra na política por via da preparação do programa económico do PS para a legislatura que agora se fina para assumir depois um lugar determinante na governação, estado que até o próprio Centeno talvez nunca tivesse admitido. O outro economista mobilizado por esse processo, Paulo Trigo Pereira, teve outro tipo de papel na legislatura, assumiu funções de deputado e entrou em rota de divergência com o grupo parlamentar do PS, regressando muito provavelmente às suas funções académicas no ISEG. O PSD e o Bloco de Esquerda conservam também viva a influência de economistas com funções académicas. No PSD é nítida a ascensão de um economista como Fernando Alexandre (Universidade do Minho), admitindo que a sua influência se terá feito sentir no enunciado da política macroeconómica recentemente anunciada por Rui Rio. No Bloco de Esquerda, a influência tutelar de Francisco Louçã é determinante pelo enquadramento que exerce junto de outros economistas como Mariana Mortágua, por exemplo e, noutro plano, Ricardo Paes Mamede posiciona-se para outras oportunidades. No CDS-PP e no PCP essa presença não é tão clara, não descortinando razões para a diferença observada.

Aparentemente, Portugal estará num ciclo não tão pronunciado de afastamento das elites económicas académicas do poder como aquele que se regista nos EUA, determinado sobretudo pelo estilo de governação de Trump e pelo facto de uma das marcas do seu populismo ser precisamente o desdém por tais elites. No Banco de Portugal, como governadores não têm estado nos últimos tempos economistas com funções académicas exclusivas, mas de qualquer modo estamos a falar de personalidades mais próximas da academia do que a recente nomeação para o FED – USA. Será curioso avaliar se essa vai continuar a ser a tendência ou se também em Portugal começarão a emergir os sinais que vêm dos EUA. O que parece poder dizer-se é que na governação que agora termina não há evidência de que o grupo de economistas que esteve na base do programa económico do PS tenham mantido contacto. A opção que pareceu predominar foi a de catapultar essa influência corresponsabilizando alguns pela governação, a ponto de, como no caso de Mário Centeno, se transformar em suporte dessa mesma governação.

Não tenho dúvidas em afirmar que entendo que o modelo da influência pela disseminação das ideias é mais seguro do que o do exercício do poder. Mas tudo parece que esse modelo está a perder força. O que não conheço é o caso de alguém que regresse à vida académica e ao pensamento económico valorizando a sua experiência como decisor político para reconsiderar o seu próprio pensamento. Ou estará a escapar-me algum exemplo?

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