(Um tema recorrente neste blogue, de novo suscitado por
um artigo de Wolfgang Münchau. Reflexões livres sobre os diferentes modos de racionalização da política,
sobretudo da política económica.)
No artigo de 30 de junho no Financial Times, Wolfgang Münchau traz à colação
o exemplo mais temível de influência de um economista académico sobre a decisão
política e a governação, embora nunca tendo exercido um qualquer cargo político
ou mesmo assumido o estatuto de Governador do Banco Central. John Maynard Keynes
é o exemplo escolhido e de facto deve ser difícil encontrar na história do
pensamento económico e do seu relacionamento com a decisão política e a
governação económica um outro exemplo com influência similar. Claro que Keynes
não fez prevalecer sempre as suas ideias. Exemplo disso foi a sua intervenção
na negociação dos resgates da 1ª Guerra Mundial que haveriam de conduzir ao
Tratado de Versalhes. Keynes exercia, de facto, com uma especial agilidade e dureza
esse poder de influência. Os inúmeros volumes da sua obra completa estão cheios
de exemplos de textos e cartas abertas dirigidos aos executores da política económica
e monetária, aos mais altos níveis da decisão política. Basta recordar as
cartas abertas dirigidas a Roosevelt e as suas diatribes contra os primeiros-ministros
do Reino Unido e de França, por exemplo, para compreender o significado do meu
ponto. Keynes não precisava de exercer o poder para ser influente. Münchau
interroga-se se esse paradigma se finou por completo e atrever-me-ia a explicar
esse desaparecimento pela ausência de personalidades de génio como o era o
economista britânico.
Atravessámos um tempo em que pelo menos nos EUA, mas também noutros países,
Suécia e Índia, por exemplo, a governação do Banco Central esteve nas mãos de
economistas académicos que resolveram pôr as mãos na massa, ou segundo alguns
sujá-las com heresias não académicas (Ben Bernanke – de Princeton e Janet
Yellen de Berkeley são exemplos desse outro tipo de influência). Segundo Münchau,
esses tempos estarão em pura extinção e a nomeação por Trump de Jay Powell para
o FED marcará essa viragem.
Por cá, o exemplo de Mário Centeno como ministro das Finanças é claramente
uma exceção nos tempos que correm, uma vez que se trata de um economista académico
que entra na política por via da preparação do programa económico do PS para a legislatura
que agora se fina para assumir depois um lugar determinante na governação, estado
que até o próprio Centeno talvez nunca tivesse admitido. O outro economista
mobilizado por esse processo, Paulo Trigo Pereira, teve outro tipo de papel na
legislatura, assumiu funções de deputado e entrou em rota de divergência com o
grupo parlamentar do PS, regressando muito provavelmente às suas funções académicas
no ISEG. O PSD e o Bloco de Esquerda conservam também viva a influência de economistas
com funções académicas. No PSD é nítida a ascensão de um economista como Fernando
Alexandre (Universidade do Minho), admitindo que a sua influência se terá feito
sentir no enunciado da política macroeconómica recentemente anunciada por Rui
Rio. No Bloco de Esquerda, a influência tutelar de Francisco Louçã é
determinante pelo enquadramento que exerce junto de outros economistas como
Mariana Mortágua, por exemplo e, noutro plano, Ricardo Paes Mamede posiciona-se
para outras oportunidades. No CDS-PP e no PCP essa presença não é tão clara, não
descortinando razões para a diferença observada.
Aparentemente, Portugal estará num ciclo não tão pronunciado de afastamento
das elites económicas académicas do poder como aquele que se regista nos EUA,
determinado sobretudo pelo estilo de governação de Trump e pelo facto de uma
das marcas do seu populismo ser precisamente o desdém por tais elites. No Banco
de Portugal, como governadores não têm estado nos últimos tempos economistas com
funções académicas exclusivas, mas de qualquer modo estamos a falar de
personalidades mais próximas da academia do que a recente nomeação para o FED –
USA. Será curioso avaliar se essa vai continuar a ser a tendência ou se também
em Portugal começarão a emergir os sinais que vêm dos EUA. O que parece poder
dizer-se é que na governação que agora termina não há evidência de que o grupo
de economistas que esteve na base do programa económico do PS tenham mantido
contacto. A opção que pareceu predominar foi a de catapultar essa influência corresponsabilizando
alguns pela governação, a ponto de, como no caso de Mário Centeno, se
transformar em suporte dessa mesma governação.
Não tenho dúvidas em afirmar que entendo que o modelo da influência pela
disseminação das ideias é mais seguro do que o do exercício do poder. Mas tudo
parece que esse modelo está a perder força. O que não conheço é o caso de alguém
que regresse à vida académica e ao pensamento económico valorizando a sua
experiência como decisor político para reconsiderar o seu próprio pensamento. Ou
estará a escapar-me algum exemplo?
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