domingo, 7 de julho de 2019

NOS RITUAIS DA POLÍTICA



(Breves notas sobre a minha participação na quarta convenção do Partido Socialista centrada no tema da transformação digital, mais propriamente na secção relativa às competências digitais, formação e ciência. Peixe fora da água, mas empenhado como sempre.)

Já há muitos anos que tenho sentimentos ambivalentes em relação à participação neste tipo de iniciativas. Nunca me colocando em bicos de pés e respondendo sempre positivamente a convites que me são endereçados, costumo participar com agrado, refletindo numa perspetiva política sobre temas que passam regularmente pelas minhas mãos, seja por via do estudo e investigação, seja por trabalho profissional de consultoria ou de avaliação de políticas públicas. Encaro essa participação como um dever cívico de melhoria da minha área política, mantendo sempre a reserva sensata de perceber que nem sempre os contributos são vertidos para a ação política. Melhor do que ninguém conheço a longa progressão que é necessário percorrer até que uma ideia, por mais promissora que ela seja, se transforme em ação política.

Não escondo que ficar sem um sábado livre me causa algum engulho. E, mais do que isso, não sou propriamente predestinado para me passear por estes ambientes de convenções e outras modalidades. O que não significa que não aprecie analisar estes universos, identificar as principais tipologias de comportamentos, desde os mais convictos na intervenção futura até aos que se perfilam para o telefonema desejado no momento de constituição de listas de candidatos ou da formação do governo e das suas equipas de apoio.

Neste caso, o da participação na quarta convenção que o PS tem vindo a realizar pelo país para preparação do seu programa de governo, preparei-a com cuidado incluindo a da refeição ligeira em Braga, num restaurante aprazível no centro da cidade de Braga, junto à Reitoria d Universidade do Minho, nos jardins de Santa Bárbara, o Alma D’Eça. Curiosamente, o jovem proprietário do restaurante sentou-se ao meu lado na sessão inaugural que mereceu a visita e intervenção de António Costa, com um discurso muito bem preparado tecnicamente e que anuncia o que relevante vai aparecer no programa eleitoral do PS. Costa vincou e bem o facto de Portugal partir em condições favoráveis para a revolução digital, sobretudo a partir do momento em que, por via da melhoria de qualificações iniciais, Portugal apresenta em algumas dimensões indicadores mais favoráveis do que a média europeia.

Curiosamente, um ambiente de bombos e algazarra servia de enquadramento à Convenção no velho e renovado Sá de Miranda em Braga, alimentado por uma manifestação dos lesados do BES.

A minha sessão “Competências Digitais, Formação e Ciência” representava a ciência a um nível elevado, cabendo-me a mim defender a dama da formação. Senão vejamos. O meu amigo Pedro Guedes de Oliveira, professor emérito da UP e ainda com forte ligação ao INESC TEC, moderava a sessão com importante experiência de coordenação da iniciativa IN CODE, em meu entender uma das mais coerentes iniciativas de suporte às políticas públicas, focada precisamente no tema das competências digitais. Com intervenções programadas tivemos: (i) Professor Cláudio Sunkel, presentemente diretor do IBMC, com a particularidade de ser um chileno radicado em Portugal e, como o mundo é pequeno, filho do grande Osvaldo Sunkel, economista latino-americano com grande influência na minha formação e ainda a dirigir com mais de 90 anos a revista da CEPAL; (ii) Isabel Menezes, professora catedrática da Universidade do Porto; (iii) Isabel Estrada Carvalhais, professora de ciência política da Universidade do Minho e (iv) Rosário Gamboa, professora coordenadora do Instituto Politécnico do Porto, filósofa e atualmente a exercer funções na A3ES.

Para 10 minutos de intervenção, coube-me destacar a grande abrangência do conceito de competências digitais com que presentemente se trabalha, algo que remete para a utilização crítica e responsável das tecnologias digitais, combinando competências e literacia digitais na aprendizagem, no trabalho e na participação na sociedade e envolvendo matérias como a informação e literacia de dados, a comunicação e a colaboração, a criação de conteúdos digitais, a segurança. Nesta revolução, há que estar atento à relevância da emergência de uma nova forma de pensamento, o pensamento computacional, sobretudo na perspetiva de há condições para uma nova abordagem aos problemas. Num contexto desta natureza, os sistemas de educação e formação são fortemente impactados e desenvolvi nessa base a minha peculiar aplicação da metáfora fluxos (as novas qualificações produzidas pelo sistema educativo) versus stocks (a baixa qualificação dos ativos empregados). O sistema de educação e formação tem de assentar num equilíbrio entre as duas dimensões e daí a forte relevância da formação profissional, como desenvolvi recentemente de proposta de um perfil digital para o CESAE, candidato a reintegrar a rede de Centros de Formação de Gestão Participada do IEFP.

O segundo tópico incidiu na ideia de que a transformação digital não deve ser mais um processo a intensificar o “skill bias” que a inovação tecnológica tem vindo a gerar, promovendo as qualificações mais avançadas e destruindo empregos mais rotinizáveis pela automação e inteligência artificial. Daí a enorme relevância do digital na formação de qualificações intermédias (cursos profissionais, ensino vocacional e formação de ativos).

Finalmente, o terceiro tópico incidiu na perceção de que a transformação digital é também sinónimo de uma revolução pedagógica, cujo potencial corresponde ainda hoje a um baixo aproveitamento de recursos. Também aqui a metáfora fluxos versus stocks se aplica, pois há o desafio político de envolver os professores no ativo (e não apenas os recém chegados ao sistema) nessa revolução pedagógica, capacitando-os para a resposta a esse desafio.

Quando saí da Sá de Miranda os lesados do BES já tinham cumprido o seu papel, manifestando-se ruidosamente. Eu também, de modo mais silencioso, tinha também cumprido com empenho o que me levou a sacrificar um sábado precioso.

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