(Breves notas sobre a minha participação na quarta convenção
do Partido Socialista centrada no tema da transformação digital, mais propriamente
na secção relativa às competências digitais, formação e ciência. Peixe fora da água, mas empenhado como sempre.)
Já há muitos anos que tenho sentimentos ambivalentes em relação à
participação neste tipo de iniciativas. Nunca me colocando em bicos de pés e respondendo
sempre positivamente a convites que me são endereçados, costumo participar com
agrado, refletindo numa perspetiva política sobre temas que passam regularmente
pelas minhas mãos, seja por via do estudo e investigação, seja por trabalho profissional
de consultoria ou de avaliação de políticas públicas. Encaro essa participação como
um dever cívico de melhoria da minha área política, mantendo sempre a reserva
sensata de perceber que nem sempre os contributos são vertidos para a ação política.
Melhor do que ninguém conheço a longa progressão que é necessário percorrer até
que uma ideia, por mais promissora que ela seja, se transforme em ação política.
Não escondo que ficar sem um sábado livre me causa algum engulho. E, mais
do que isso, não sou propriamente predestinado para me passear por estes ambientes
de convenções e outras modalidades. O que não significa que não aprecie analisar
estes universos, identificar as principais tipologias de comportamentos, desde
os mais convictos na intervenção futura até aos que se perfilam para o
telefonema desejado no momento de constituição de listas de candidatos ou da
formação do governo e das suas equipas de apoio.
Neste caso, o da participação na quarta convenção que o PS tem vindo a
realizar pelo país para preparação do seu programa de governo, preparei-a com
cuidado incluindo a da refeição ligeira em Braga, num restaurante aprazível no
centro da cidade de Braga, junto à Reitoria d Universidade do Minho, nos jardins
de Santa Bárbara, o Alma D’Eça. Curiosamente, o jovem proprietário do restaurante
sentou-se ao meu lado na sessão inaugural que mereceu a visita e intervenção de
António Costa, com um discurso muito bem preparado tecnicamente e que anuncia o
que relevante vai aparecer no programa eleitoral do PS. Costa vincou e bem o
facto de Portugal partir em condições favoráveis para a revolução digital,
sobretudo a partir do momento em que, por via da melhoria de qualificações iniciais,
Portugal apresenta em algumas dimensões indicadores mais favoráveis do que a média
europeia.
Curiosamente, um ambiente de bombos e algazarra servia de enquadramento à
Convenção no velho e renovado Sá de Miranda em Braga, alimentado por uma manifestação
dos lesados do BES.
A minha sessão “Competências Digitais,
Formação e Ciência” representava a ciência a um nível elevado, cabendo-me a
mim defender a dama da formação. Senão vejamos. O meu amigo Pedro Guedes de
Oliveira, professor emérito da UP e ainda com forte ligação ao INESC TEC, moderava
a sessão com importante experiência de coordenação da iniciativa IN CODE, em meu
entender uma das mais coerentes iniciativas de suporte às políticas públicas,
focada precisamente no tema das competências digitais. Com intervenções programadas
tivemos: (i) Professor Cláudio Sunkel, presentemente diretor do IBMC, com a particularidade
de ser um chileno radicado em Portugal e, como o mundo é pequeno, filho do grande
Osvaldo Sunkel, economista latino-americano com grande influência na minha
formação e ainda a dirigir com mais de 90 anos a revista da CEPAL; (ii) Isabel
Menezes, professora catedrática da Universidade do Porto; (iii) Isabel Estrada
Carvalhais, professora de ciência política da Universidade do Minho e (iv) Rosário
Gamboa, professora coordenadora do Instituto Politécnico do Porto, filósofa e
atualmente a exercer funções na A3ES.
Para 10 minutos de intervenção, coube-me destacar a grande abrangência do
conceito de competências digitais com que presentemente se trabalha, algo que
remete para a utilização crítica e responsável das tecnologias digitais, combinando
competências e literacia digitais na aprendizagem, no trabalho e na participação
na sociedade e envolvendo matérias como a informação e literacia de dados, a comunicação
e a colaboração, a criação de conteúdos digitais, a segurança. Nesta revolução,
há que estar atento à relevância da emergência de uma nova forma de pensamento,
o pensamento computacional, sobretudo na perspetiva de há condições para uma
nova abordagem aos problemas. Num contexto desta natureza, os sistemas de
educação e formação são fortemente impactados e desenvolvi nessa base a minha
peculiar aplicação da metáfora fluxos (as novas qualificações produzidas pelo
sistema educativo) versus stocks (a baixa qualificação dos ativos empregados). O
sistema de educação e formação tem de assentar num equilíbrio entre as duas
dimensões e daí a forte relevância da formação profissional, como desenvolvi recentemente
de proposta de um perfil digital para o CESAE, candidato a reintegrar a rede de
Centros de Formação de Gestão Participada do IEFP.
O segundo tópico incidiu na ideia de que a transformação digital não deve
ser mais um processo a intensificar o “skill
bias” que a inovação tecnológica tem vindo a gerar, promovendo as
qualificações mais avançadas e destruindo empregos mais rotinizáveis pela
automação e inteligência artificial. Daí a enorme relevância do digital na
formação de qualificações intermédias (cursos profissionais, ensino vocacional
e formação de ativos).
Finalmente, o terceiro tópico incidiu na perceção de que a transformação
digital é também sinónimo de uma revolução pedagógica, cujo potencial corresponde
ainda hoje a um baixo aproveitamento de recursos. Também aqui a metáfora fluxos
versus stocks se aplica, pois há o desafio político de envolver os professores
no ativo (e não apenas os recém chegados ao sistema) nessa revolução pedagógica,
capacitando-os para a resposta a esse desafio.
Quando saí da Sá de Miranda os lesados do BES já tinham cumprido o seu
papel, manifestando-se ruidosamente. Eu também, de modo mais silencioso, tinha
também cumprido com empenho o que me levou a sacrificar um sábado precioso.
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