quarta-feira, 31 de julho de 2019

PREVISÍVEL E PROVAVELMENTE AUTOFÁGICO

(E este é apenas o primeiro grupo que foi a debate!)


(As eleições americanas representarão um teste crucial à viabilidade de derrota do populismo plutocrático instalado. O modo como os Democratas estão a organizar a sua campanha interna que os conduzirá à nomeação do adversário de Trump só aparentemente pode ser considerado um elogio à diversidade. Mandam as boas regras que as primárias devam constituir uma alavanca para a campanha final. Ora não me parece que isso esteja a acontecer.)

Por estes dias, as hostes dos Democratas americanos estão em profunda agitação com a realização dos debates televisivos entre a caterva de candidatos potenciais. O número de candidatos é gigantesco, com nomes que, para alguém que se considera minimamente informado sobre a política americana, não querem dizer rigorosamente nada e de cujos nomes e carreiras políticas não é fácil encontrar rasto nos jornais de referência como o New York Times e o Washington Post ou de revistas como a The Atlantic ou a New Yorker. Há quem interprete esta caterva de candidatos como um hino à diversidade e riqueza de perspetivas do espectro político Democrata. Não sou tão otimista como esses observadores.

Por mais disléxico, plutocrata ou racista que se apresente, o candidato Trump tem a enorme vantagem de estar no poder e já não falo na sua gigantesca e despudorada máquina de informação que não hesita em mentir, viciar informação ou estigmatizar para alcançar os seus fins. Assim sendo, as primárias entre os Democratas deveriam assegurar um equilíbrio mais razoável entre a diversidade de perspetivas e a necessidade de focar o eleitorado num conjunto de nomes referenciados e com ideias tão claras e mobilizadoras quanto o possível. Pela primeira série de debates ontem realizada, percebe-se que vamos ter cá um granel de respeito. Tudo leva a crer que o segundo debate irá alinhar pelo mesmo diapasão, ainda que possamos dizer que a presença no primeiro de Bernie Sanders e de Elizabeth Warren lhe concede alguma notoriedade, suspeitando que o segundo irá contrapor sobretudo Joe Biden e Kamala Harris.

De todo o granel em efervescência ressalta todavia uma regularidade que vai consistir na luta titânica entre os candidatos mais ousados e à esquerda (seguramente Bernie Sanders e Elizabeth Warren e veremos se Kamala Harris alinhará por esta orientação) e a linha de maior moderação. O debate vai ser duro e justifica-se. Já nas últimas primárias que deram a vitória a Hillary face a Bernie, a contradição entre a ala mais socialista e a mais moderada foi gritante. Porém, a evolução da economia e da sociedade americana com Trump tendeu a agudizar esse confronto. Isto significa que as primárias entre os Democratas não vão servir para catapultar um candidato para o confronto com Trump, mas antes para clarificar a posição ideológica do partido. Este facto não parece contornável, tamanha é a necessidade de clarificação de posições em domínios como a saúde, a luta contra a pobreza e a falta de elevador social da sociedade americana, a política fiscal e a perspetiva sobre a desigualdade e os fatores que a têm agravado. Mas o facto de ser incontornável não significa que não beneficie Trump e, em meu entender, beneficia muito. Só depois das primárias concluídas e com o candidato escolhido vai ser possível unir de novo o eleitorado potencial dos Democratas. Não é necessário ser politólogo para compreender que quanto mais agudizadas forem as primárias mais difícil será reunir as hostes num objetivo comum, derrotar Trump. E creio que vão ser bem agudas e agressivas. Basta recordar que Hillary não conseguiu atrair todos os simpatizantes de Bernie Sanders, embora me pareça que desta vez possa ser mais fácil tapar narizes, fechar olhos e ignorar consciências para votar em quem os Democratas elejam para derrotar Trump. Como sabemos não basta “derrotar” Trump em votos, há que o conseguir em colégio eleitoral e o modelo americano protege os menos audazes politicamente.

Para já o debate Democrata parece polarizado entre a ala mais socialista e a que não ousa pronunciar sequer a palavra. Tenho sérias dúvidas de que entre estas duas orientações possa haver alguma aproximação e com isso contribuir para que as primárias sejam já disputadas em rota de afrontamento a Trump. Enquanto permanecer em palco esta caterva de candidatos será difícil promover essa aproximação. Quando esse número for drasticamente reduzido, veremos. O risco é o afrontamento com Trump ser concretizado com um subaproveitamento do potencial eleitoral pela razão de parte do eleitorado Democrata, mais à esquerda ou mais moderado, não se rever na oferta.

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