(Nos últimos anos, para mal das populações do interior, o
que se convencionara designar por “silly season”
transformou-se perigosamente na estação dos incêndios. Face às tragédias ainda frescas na memória de
todos, a situação tem evoluído em torno da minimização de danos, banalizando despudoradamente
o aumento de área de floresta ardida, reduzindo para lá de limites impensáveis
o sumidouro de carbono.)
Temos de convir que os tempos da “silly
season”, apesar de chocantes por tanta irresponsabilidade incompetente, eram
bem menos danosos do que os da “burning season”
em que temos mergulhado. Voltamos ao circo mediático da cobertura televisiva,
onde se pressente que cada jornalista, dos mais precários aos mais preparados,
está programado para farejar todo o sinal e evidência de descontrolo e descoordenação
da máquina da proteção civil. Não me admiraria que encontremos nos próximos dias
de canícula, se ela se abater com expressão por terras do interior, sinais dessa
descoordenação. Aliás, seria miraculoso que, numa máquina do Estado que se
caracteriza pela disseminação desses focos de descoordenação, a proteção civil
fosse uma gloriosa exceção.
As operações legalmente impostas de limpeza e corte de material arbóreo e
lenhoso mais combustível em faixas de proximidade a vias e a habitações tiveram
o que é normal no país que somos: alguns, os mais obedientes e respeitadores da
lei cumpriram a determinação, ao passo que outros, muito possivelmente à distância
visível dos cumpridores, ignoraram olimpicamente essa determinação, aguardando
como noutros processos o benefício do infrator e a redução da probabilidade de
uma multa pesada. Valeu a pena a medida? Tudo depende se foi ou não iniciada
uma prática regular de limpeza de matas e de faixas de proximidade. Mas, como
todos sabemos, uma coisa é a criação de condições estruturais favoráveis a
essas decisões, não as do passado porque essas não voltam mais ao nosso mundo
rural em transformação, outra bem diferente é a probabilidade de êxito de
medidas impostas à custa da ameaça da multa, ainda que pesada. A agressividade
das condições climatéricas impôs-se de novo nos incêndios deste fim-de-semana e
o que espanta é o registado no concelho de Mação. Neste concelho, a zona verde
e florestal fora seriamente dizimada, o que pressuporia que as condições de
vigilância do precioso restante fossem uma prioridade absoluta. Não conheço
ainda pormenores dos fatores de ignição, apontam-se indícios de fogo posto, mas
a verdade é que segundo palavras do presidente da Câmara o fogo terá consumido
o que restava da zona florestal do concelho. Serão precisas mais palavras para
explicar o mau presságio que se anuncia para situações futuras?
Admitindo que ocorrências como as que se vivem ainda em Mação, Vila de Rei
e em parte em Proença-a-Nova poderão multiplicar-se até ao outono, isto
admitindo que o outono será mesmo outono no tempo certo, o que nos tempos que
correm é duvidoso, lá teremos o jogo do gato e do rato entre jornalistas e
membros do governo, esperando que o convencimento do ministro Cabrita seja
desta vez contido e que não prometa o impossível porque a comunicação social
cobrará caro.
Politicamente, o PS pode estar a caminhar para um resultado expressivo, mas
a “burning season” representará sempre
um cutelo potencial sobre o pescoço da governação. À direita, o descalabro
começa a ganhar formas de falta de decoro. Tudo indica que a direita
revanchista do PSD, sobretudo aquela que é sensível às sereias ideológicas da
direita entrincheirada no Observador (cujos jornalistas mereceriam outro enquadramento),
está numa fase em que entre apanhar com um resultado que enterre de vez o incómodo
Rui Rio e minimizar danos com uma derrota honrosa em outubro começa a inclinar-se
para a primeira opção. Mas também no CDS-PP a desorientação está instalada,
sobretudo porque Crista e os seus próximos estão perdidos na transição do
discurso. Entre lançar chumbo em tudo que mexia e acertar seletivamente o alvo a
mudança de pauta tem sido um desastre, sugerindo que há gente que ainda não estabilizou
bem por que pauta estarão a tocar.
O descalabro da direita espanta-me não porque acreditasse muito na sua
valia intrínseca, mas principalmente porque me parece que os resultados da
governação PS + Geringonça não são tão sólidos como isso e apresentam
fragilidades. Espanta-me sobretudo que muito pouca gente não discuta
frontalmente a exiguidade da nossa base fiscal em matéria de grupos de população
com capacidade para pagar um mínimo de IRS. Sem abordar com frontalidade essa
limitação não mais será possível pensar numa modernização fiscal que alivie a
fadiga fiscal de uma parte significativa da classe média portuguesa.
Em próximos posts, voltarei a um outro tema infelizmente também ausente do
debate político. Desde os contributos decisivos dos economistas Bradford DeLong
e Lawrence Summers em 1991,sabemos que é hoje possível à paridade dos poderes
de compra, isto é, compensando as diferenças de preços relativos entre países
mais desenvolvidos e menos desenvolvidos, comparar as taxas de investimento em equipamento
que os países realizam. Aqueles economistas mostraram como, em tempos de
descoberta do papel das ideias no crescimento económico, o que equivaleria
pretensamente à imaterialização deste último, o investimento em equipamento tem
um papel decisivo na explicação dos ritmos alcançados de crescimento económico
e das suas diferenças entre países. O investimento em equipamento constitui um
dos veículos privilegiados de incorporação dos efeitos do conhecimento e da
inovação na economia.
Ora, na economia portuguesa, para além do investimento empresarial em
equipamento estar fortemente ligado aos fundos estruturais destinados às
empresas, a verdade é que, nos últimos anos, o peso do investimento em equipamento
no PIB tem oscilado em torno de valores muito baixos e à paridade de poder de
compra apresenta valores comparativos com países como a Alemanha que inspiram preocupação.
Voltarei proximamente a esta questão, mas gostaria que o programa do PS se
preocupasse mais com esta questão.
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