segunda-feira, 22 de julho de 2019

BURNING SEASON



(Nos últimos anos, para mal das populações do interior, o que se convencionara designar por “silly season” transformou-se perigosamente na estação dos incêndios. Face às tragédias ainda frescas na memória de todos, a situação tem evoluído em torno da minimização de danos, banalizando despudoradamente o aumento de área de floresta ardida, reduzindo para lá de limites impensáveis o sumidouro de carbono.)



Temos de convir que os tempos da “silly season”, apesar de chocantes por tanta irresponsabilidade incompetente, eram bem menos danosos do que os da “burning season” em que temos mergulhado. Voltamos ao circo mediático da cobertura televisiva, onde se pressente que cada jornalista, dos mais precários aos mais preparados, está programado para farejar todo o sinal e evidência de descontrolo e descoordenação da máquina da proteção civil. Não me admiraria que encontremos nos próximos dias de canícula, se ela se abater com expressão por terras do interior, sinais dessa descoordenação. Aliás, seria miraculoso que, numa máquina do Estado que se caracteriza pela disseminação desses focos de descoordenação, a proteção civil fosse uma gloriosa exceção.

As operações legalmente impostas de limpeza e corte de material arbóreo e lenhoso mais combustível em faixas de proximidade a vias e a habitações tiveram o que é normal no país que somos: alguns, os mais obedientes e respeitadores da lei cumpriram a determinação, ao passo que outros, muito possivelmente à distância visível dos cumpridores, ignoraram olimpicamente essa determinação, aguardando como noutros processos o benefício do infrator e a redução da probabilidade de uma multa pesada. Valeu a pena a medida? Tudo depende se foi ou não iniciada uma prática regular de limpeza de matas e de faixas de proximidade. Mas, como todos sabemos, uma coisa é a criação de condições estruturais favoráveis a essas decisões, não as do passado porque essas não voltam mais ao nosso mundo rural em transformação, outra bem diferente é a probabilidade de êxito de medidas impostas à custa da ameaça da multa, ainda que pesada. A agressividade das condições climatéricas impôs-se de novo nos incêndios deste fim-de-semana e o que espanta é o registado no concelho de Mação. Neste concelho, a zona verde e florestal fora seriamente dizimada, o que pressuporia que as condições de vigilância do precioso restante fossem uma prioridade absoluta. Não conheço ainda pormenores dos fatores de ignição, apontam-se indícios de fogo posto, mas a verdade é que segundo palavras do presidente da Câmara o fogo terá consumido o que restava da zona florestal do concelho. Serão precisas mais palavras para explicar o mau presságio que se anuncia para situações futuras?

Admitindo que ocorrências como as que se vivem ainda em Mação, Vila de Rei e em parte em Proença-a-Nova poderão multiplicar-se até ao outono, isto admitindo que o outono será mesmo outono no tempo certo, o que nos tempos que correm é duvidoso, lá teremos o jogo do gato e do rato entre jornalistas e membros do governo, esperando que o convencimento do ministro Cabrita seja desta vez contido e que não prometa o impossível porque a comunicação social cobrará caro.

Politicamente, o PS pode estar a caminhar para um resultado expressivo, mas a “burning season” representará sempre um cutelo potencial sobre o pescoço da governação. À direita, o descalabro começa a ganhar formas de falta de decoro. Tudo indica que a direita revanchista do PSD, sobretudo aquela que é sensível às sereias ideológicas da direita entrincheirada no Observador (cujos jornalistas mereceriam outro enquadramento), está numa fase em que entre apanhar com um resultado que enterre de vez o incómodo Rui Rio e minimizar danos com uma derrota honrosa em outubro começa a inclinar-se para a primeira opção. Mas também no CDS-PP a desorientação está instalada, sobretudo porque Crista e os seus próximos estão perdidos na transição do discurso. Entre lançar chumbo em tudo que mexia e acertar seletivamente o alvo a mudança de pauta tem sido um desastre, sugerindo que há gente que ainda não estabilizou bem por que pauta estarão a tocar.

O descalabro da direita espanta-me não porque acreditasse muito na sua valia intrínseca, mas principalmente porque me parece que os resultados da governação PS + Geringonça não são tão sólidos como isso e apresentam fragilidades. Espanta-me sobretudo que muito pouca gente não discuta frontalmente a exiguidade da nossa base fiscal em matéria de grupos de população com capacidade para pagar um mínimo de IRS. Sem abordar com frontalidade essa limitação não mais será possível pensar numa modernização fiscal que alivie a fadiga fiscal de uma parte significativa da classe média portuguesa.

Em próximos posts, voltarei a um outro tema infelizmente também ausente do debate político. Desde os contributos decisivos dos economistas Bradford DeLong e Lawrence Summers em 1991,sabemos que é hoje possível à paridade dos poderes de compra, isto é, compensando as diferenças de preços relativos entre países mais desenvolvidos e menos desenvolvidos, comparar as taxas de investimento em equipamento que os países realizam. Aqueles economistas mostraram como, em tempos de descoberta do papel das ideias no crescimento económico, o que equivaleria pretensamente à imaterialização deste último, o investimento em equipamento tem um papel decisivo na explicação dos ritmos alcançados de crescimento económico e das suas diferenças entre países. O investimento em equipamento constitui um dos veículos privilegiados de incorporação dos efeitos do conhecimento e da inovação na economia.

Ora, na economia portuguesa, para além do investimento empresarial em equipamento estar fortemente ligado aos fundos estruturais destinados às empresas, a verdade é que, nos últimos anos, o peso do investimento em equipamento no PIB tem oscilado em torno de valores muito baixos e à paridade de poder de compra apresenta valores comparativos com países como a Alemanha que inspiram preocupação. Voltarei proximamente a esta questão, mas gostaria que o programa do PS se preocupasse mais com esta questão.

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