(Com a devida vénia à VOZ de Galicia)
(A pulverização do espaço político em Espanha, observada sobretudo à direita,
mas também à esquerda com um PODEMOS cada vez mais inorgânico, traz para a cena
política espanhola duas indeterminações que resultam da especificidade do
sistema constitucional espanhol, a da investidura e da governação propriamente
dita. Neste contexto, a indeterminação
é agravada pela insuficiência de lideranças políticas com ideias claras.)
Já em posts anteriores tive a
oportunidade de destacar as particularidades da personalidade política de Pedro
Sánchez. Depois de ter sido afastado da liderança do PSOE e ido à luta interna
para clarificar quem mandaria no partido, Sánchez ganhou a contenda e
beneficiando depois das hesitações estruturais de Mariano Rajoy e de uma certa
decomposição do PP, já com o regresso da influência de Aznar e o consulado de
Casado, foi erguendo de novo o PSOE no eleitorado espanhol até ganhar as últimas
eleições embora numa fragilidade de grandes dependências. Essa ascensão
resiliente valeu-lhe inclusivamente um maior reconhecimento da sua importância
política entre os socialistas europeus. Não é que o seu peso como personalidade
política seja superior à de António Costa, antes pelo contrário. O que acontece
é que Sánchez beneficia de um efeito país que Costa, para mal dos nossos pecados
e apesar de toda a sua capacidade, nunca poderá protagonizar. Somos simpáticos e
esforçados mas pequenos e isso infelizmente conta nesse universo de reconhecimentos.
O ganho das eleições no aludido cenário de pulverização política e de não
inexistência de uma maioria parlamentar clara anunciava um turbulento período
de preparação da investidura, ato político que precede constitucionalmente a
ida ao parlamento para apresentar Governo e plano de ação. As expectativas de
um longo e penoso período de consolidação de uma maioria para a investidura foram
cumpridas. A primeira tentativa de investidura foi chumbada, tendo Sánchez e o
PSOE conseguido apenas os votos dos seus deputados e de mais um deputado eleito
por forças políticas regionais.
Neste contexto, haverá a normal tentação de atribuir o falhanço da investidura
ao taticismo mais ou menos belicista do próprio Sánchez. A sua personalidade é
de político resiliente mas temos de convir que o tem conseguido essencialmente à
custa de um taticismo que tem os seus limites. Em plena antecâmara da
investidura, Sánchez, ao mesmo tempo que negociava com o cada vez menos confiável
PODEMOS, ainda piscava o olho ao PP solicitando a sua abstenção. E de facto não
deixa de impressionar negativamente que, após tanto tempo para testar negociações
e concertações, Sánchez tenha chegado ao discurso de investidura sem a certeza
do que poderia nela acontecer. Embora a constituição espanhola separe a
investidura da formação de governo não deixa de ser estranho que Sánchez
prepare o processo sem clarificar a sua ideia de com quem é que pretende
governar.
Embora me pareça que Sánchez nunca será um líder político com capacidade de
apostar e conduzir trajetórias longas, a verdade é que também não podemos
ignorar em que contexto os seus propósitos de negociação política estão a ser
concretizados. Senão vejamos.
Primeiro, o CIUDADANOS de Rivera trocou inexplicavelmente o seu potencial
para influenciar positivamente a governação PSOE por uma presumível e altamente
discutível liderança da direita espanhola, virando perigosamente à direita e
preferindo negociar com o VOX do que com o PSOE. Sou o primeiro a desconfiar do
apoio que algumas forças com influência na sociedade espanhola como os meios ligados
à OPUS DEI deram a uma possível aliança PSOE-CIUDADANOS. Mas o abandono de
algumas personalidades políticas de grande espessura e fundadores do CIUDADANOS
como o constitucionalista Francesc de Carreras ilustra para mim o que está a
acontecer. A desorientação política de Rivera é tão ou mais forte como a sua
indeterminação amorosa. Avaliou mal o possível resultado da censura a Rajoy que
Sánchez promoveu, hipotecando aí a sua hipótese de liderar a transição política
à direita e desde então, ao rejeitar precocemente qualquer acordo potencial com
o PSOE, espalhou-se ao comprido.
Segundo, o PP de Casado, ainda a convalescer do seu trambolhão nas últimas
eleições, mitigado pela não perda de Madrid, está mais interessado em conter as
investidas da extrema-direita do VOX que lhe veio beber à fonte dos seus eleitores,
do que disposto a contribuir para uma solução de governo. O seu calculismo
aponta apenas para isto: não é seguro que o PSOE consiga em novas eleições, se não
conseguir a investidura, reforço de posição. Se não o conseguir, dará tempo
para o PP sarar feridas e recompor-se do atordoamento, embora me pareça que a
clarificação política à direita vá ser um longo calvário.
Terceiro, volátil por natureza, debilitado eleitoralmente e por algumas
deserções, o PODEMOS está cada vez mais inorgânico e imprevisível. Esta exigência
de presença no Governo, em termos manifestamente desproporcionados face ao eleitorado
que representa, só se compreende como fuga para a frente e compensar o que está
à vista: a excelente retórica política de Pablo Iglésias não é mais do que isso,
e a sua transformação em partido de governo é coisa que não se compreende.
Quarto e último, as formações políticas regionalistas, sobretudo as bascas
e catalãs, não são propriamente parceiros fiáveis para uma aliança de
investidura, pois os compromissos de governação que tenderão a exigir, se no
caso dos bascos ainda poderão resumir-se a exigências orçamentais, no caso dos
catalães representarão sempre imposições impossíveis de respeitar por um governo
constitucional em Espanha. Não terá sido em vão que Sánchez, no seu discurso de
investidura entretanto falhada, omitiu completamente o problema catalão.
A indeterminação política caminha para uma majoração problemática. A
investidura por maioria simples com acordo com o PODEMOS que colocará alguns membros
no governo, não Iglésias, mas outros, parece ser agora a única alternativa. Mas
a não ser que os quadros do PSOE e militantes do PODEMOS façam uma cura rigorosa
de contenção tudo aponta para que um possível governo PSOE –PODEMOS conduza
rapidamente a uma situação de guerrilha a pairar sobre Moncloa. Imaginem os remoques
entre Costa e Carlos César, por um lado, e Catarina Martins e as Mortáguas do
Bloco de Esquerda por outro, multiplicados por um fator elevado. Com os brandos
costumes que temos e que a ditadura cultivou exemplarmente, os remoques à esquerda
(talvez com a exceção das relações entre o PCP e o Bloco) são bem mais suaves
do que o extremar de situações em Espanha. Quando comparamos os dois contextos
e por muito que a inércia e imobilismo de ideias do PCP nos irritem e nos
causem engulhos insuperáveis, lá teremos de concluir que a falta de um PCP em
Espanha tem custos e sérios para qualquer geringonça à esquerda. Santiago Carrillo
não imaginaria por certo as consequências que o desmembramento e
desaparecimento do PC espanhol haveria de provocar. A história é de facto
indeterminada, embora alguns falsos iluminados pensem que a podem determinar.
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