quinta-feira, 18 de julho de 2019

O RACISMO COMO ARMA POLÍTICA



(Uma notável crónica diária de David Remnick na New Yorker põe os pontos nos i’s – na Casa Branca mora um racista que usa essa identificação como arma política. Tenho dúvidas que a maioria dos Democratas tenha compreendido que, para além do racismo visceral de Trump, ele use esse estatuto como arma política.)

O estilo e o rigor de escrita de David Remnick não dão margem para dúbias interpretações (link aqui). Ele fala claro, mas talvez isso não seja suficiente para que os americanos vejam claro. Hoje parece ninguém ter dúvidas, com a exceção de um partido Republicano em estado de negação, que Trump ergueu as posições racistas ao poder. A pergunta inevitável é a de saber se, perante as sucessivas e despudoradas posições públicas da mais pura e provocadora confrontação, estamos assistir a uma espécie de suicídio político programado ou se, pelo contrário, é da mais rebuscada arte política que estamos a falar.

Cada vez mais me inclino para a segunda hipótese. Trump é mestre na arte da confrontação, esperando que dessa confrontação resulte energia e combustível para alimentar a sua base de apoio, suscetível de a reforçar. Não esqueçamos o facto de que Trump sabe que pode voltar a ser Presidente mesmo que derrotado em termos de votos, tal como aconteceu na sua eleição. Os estados americanos que beneficiam de uma sobre-representação parlamentar são essencialmente aqueles em que a sua desbragada mensagem tem acolhimento.

Remnick lembra um outro importante facto. Trump não dispõe de uma carteira de resultados em termos políticos que lhe permita grandes veleidades para se vangloriar do que fez contra a corrente. A sua política de redução de impostos, leia-se de impostos para os mais ricos, esfumou-se rapidamente em termos de efeitos benéficos sobre o crescimento económico, aliás como a literatura económica o antevê. A sua campanha do “Let’s Make America Great Again” com o corolário da guerra comercial com tudo o que é mundo civilizado e acordos de comércio nesse âmbito está a produzir efeitos de ricochete nos americanos mais desfavorecidos, o que contradiz o racional desse slogan político. A sua política de imigração tem sido obrigada a revelar-se no esplendor da sua violência e desumanidade, um preço demasiado alto para justificar benefícios e sem que em matéria de contenção haja resultados visíveis. Esta ausência de matéria para mostrar serviço é uma boa justificação para a arte do confronto, provocando personalidades políticas do campo democrata, trabalhando habilmente esse confronto, nunca se assumindo como o racista que efetivamente é e esperando que desse confronto resulte o engrossamento dos que são de facto racistas e se sentem incomodados com a multiculturalidade que vai crescendo na sociedade americana. Em linguagem de pura política de confrontação, o verdadeiro objetivo é provocar que o adversário político morda o isco. Para além disso e ainda mais malévolo, Trump espera que o eleitorado e as próprias estruturas do Partido Democrata se dividam. Como já o desenvolvi neste blogue, o Partido Democrata atravessa hoje uma profunda crise de identidade. Há os que continuam a pensar que Trump só pode ser derrotado ao centro e os que, pelo contrário, entendem que tal como está a sociedade americana é à esquerda que tal será possível. Joe Biden e em parte a “speaker” do Congresso Nanci Pelosi representam a primeira tendência. Bernie Sanders e Elizabeth Warren representam a segunda tendência. Ainda não entendi bem o posicionamento face a estes referenciais da senadora pela Califórnia (Oakland) Kamala Harris, que transporta consigo também uma imagem de forte personalidade.

Os últimos tempos têm demonstrado que a intuição de Trump é para ter em conta e alguns desencontros entre Nanci Pelosi e algumas das congressistas democratas que Trump provocou mostram que o Partido Democrata ainda não entendeu bem a técnica da confrontação para a qual Trump o quer empurrar. Tudo parece residir na interrogação de saber se a massa de apoiantes de Trump que não é racista e que está mais perto dos velhos valores republicanos (existirão ainda?) irão ou não permanecer em estado de negação. E temos aqui uma grande indeterminação dinâmica: se parte do apoio anterior a Trump reconsiderasse então os Democratas mais centristas beneficiariam; se isso não acontecer, então a esquerda democrata terá mais chances. Pura indeterminação, agravada pelo facto do sistema eleitoral americano poder repetir a façanha de colocar na Casa na Branca alguém derrotado por três milhões de votos

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