quinta-feira, 11 de julho de 2019

ROSALÍA (2)



(Estou por estes tempos fixado na análise do vulcão que o salto de Rosalía para a ribalta da música popular representa. Interessa-me sobretudo avaliar até que ponto a programação milimétrica de uma trajetória e de uma postura perante a sociedade urbana de hoje pode substituir-se a uma verdadeira afirmação identitária e assim combater a efemeridade. Vou assim reunindo testemunhos dos privilegiados que podem ir assistindo, ao vivo, às suas prestações em palco.)

Abre-se um novo dossier neste blogue, focado no acompanhamento da trajetória da nova estrela do pop castelhano, curiosamente sendo ela Rosalía catalã, para apimentar tudo isto. Está o “blogger” obcecado pela beleza da intérprete de “Malamente”? Não é disso que se trata. Também não me pretendo substituir ao talento da “nossa” Paula Guerra na contextualização sociológica dos fenómenos de cultura urbana “pop”. Interessa-me apenas o choque entre as forças identitárias de alguns intérpretes e a programação milimétrica de determinadas carreiras, regra geral afundáveis na efemeridade. Talvez Rosalía esteja para além dessa clivagem.

Passarei por isso a reunir testemunhos de passagem do tempo pela trajetória ascendente da intérprete catalã. O tempo dirá, se tiver tempo para isso, se a força identitária poderá algum dia sobrepor-se ao rigor profissional de quem lhe programa a carreira.

Para hoje, dois testemunhos da apoteótica passagem de Rosalía pelo MadCool de Madrid:

No El País (link aqui):

“(…) Resistimos dois parágrafos inteiros a mencioná-la explicitamente, mas temos de nos render à evidencia de que todos que acudiram esta quarta-feira à esplanada de Valdebebas só o fizeram para comprovar o que iria a de Sant Esteve Sesrovires fazer, uma mulher que conseguiu converter em hipérbole tudo o que a rodeia. Ela chegava ao MadCool no mesmo dia em que o New York Times se juntara à avalancha mundial de felicitações e a considerava responsável máxima da “nova ordem” mundial do pop em castelhano. E que atinge números de reproduções tão perturbadores que, de um dia para o outro, parecem passado. Rosalía chegou, mandou, enfeitiçou e suscitou um entusiasmo tão eclético como insólito, juntou crianças muito crianças, modernos e maiores de idade, devotos e agnósticos, algum especialista em flamengo e muitos recém-chegados à fé da palma e do queijo. E foi-se depois de 65 minutos exatos, deixando de facto a sensação de que o espetáculo poderia desenvolver-se com uma conjunto de minutos mais generoso. Talvez porque tudo parece pensado para um momento histórico propenso às atenções fugazes e aos fascínios voláteis. Mais ao “efeitismo” do que ao efeito.

Vivemos na era das stories, às quais a própria catalã faz referência na letra de Brillo. Tudo deslumbra de modo tão rápido como se desvanece. Rosalía deixa a sensação de que tudo o que acontece no palco está calculado ao milímetro, entre outras coisas porque muita da música é pré-gravada e grande parte da encenação do espetáculo se baseia em coreografias minuciosas”.

No El Mundo (link aqui):

No êxito de Rosalía é tão importante o que se vê como o que se ouve. Daí a estética medida ao pormenor dos vídeo clips e da encenação dos seus diretos. O meio é a mensagem e as unhas, o”chandál” e os ouros dizem tanto como os seus versos: "Tacões, lunares para matar/ As franjas, as tranças para matar. / Eyeliner, leopardo para matar". Uma amálgama visual que leva, por exemplo, às películas Bigas Luna, como 'Huevos de oro', e que deixa a gente entusiasmada com as colorações: Dona do seu corpo, as coreografias dos seus olhos, os floreados com o corpo de dança, a crucificação de mentirinhas, a edição de vídeo em direto espetacular, como quando atacou a (falsa) capela, ensinando mais inglês do que outra coisa ("Fuckin money, man", era o que se cantava), 'Milionària', uma rumba catalã que Rosalía estreou em direto em Madrid, cantando-a em catalão. O que no passado seria um ato normal na capital do reino é hoje um facto notável e carregado de (feliz) significado. Um jogo de homenagens mútuas nessas raízes em que Rosalía mergulhou (a música pós-marginal de Barcelona e também de Madrid: assim ficou a sua recuperação de 'Te estoy amando locamente' de Las Grecas) para fazer a sua fórmula ganhadora. Fórmula com visão comercial e perfeccionismo obsessivamente milimétrico, como uma Beyoncé ou uma Rihanna mediterrânicas, mas também com sentimento, capaz de fazer calar todo o recinto.

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