quarta-feira, 3 de julho de 2019

BARALHADO, A ULTIMAR A INTERVENÇÃO EM AVEIRO, AMANHÃ



(O desfecho das caóticas negociações para a escolha dos altos postos da União Europeia tiveram o condão de me baralhar profundamente. Entretanto, a intervenção no painel inaugural do 26º Encontro da APDR em Aveiro obriga a um desvio que espero produtivo, pelo que a baralhação aguardará um outro tempo para ser dissipada.)

Teresa de Sousa e Rui Tavares são duas personalidades da opinião pública portuguesa que muito aprecio. O seu tempo na comunicação social é um tempo com que me identifico, sério, pausado, sempre profundo e sobretudo interessado nos valores fundamentais da democracia, por mais pesados que sejam os desafios ou até mesmo desvios que sobre ela se acumulem.

Porquê esta comparação?

Foi hoje percetível que as negociações para a escolha dos altos postos da União tiveram cenas de faca e alguidar, não sei mesmo se de faca na liga. De tudo que me foi possível perceber, a esperada cooperação entre socialistas e liberais deparou em plena caminhada para as decisões finais com uma “santa aliança” entre o inefável PPE e os países do chamado grupo de Visegrado, onde proliferam conceções e aparatos que de democracia nem sequer ao nome poderão aspirar. Só alguém muito distraído é que não perceberá que a tentativa do PPE de se libertar de grupo tão incómodo com Orbán à cabela de todas as ameaças cheira a encenação de fraca qualidade.

Pois a leitura cruzada das crónicas de Teresa de Sousa e de Rui Tavares sobre precisamente essa matéria aponta para interpretações, não direi radicalmente opostas, mas pelo menos com cambiantes que, dada a minha forte proximidade ao pensamento das duas personalidades, me causa baralhação. Prometendo regressar ao tema, Teresa de Sousa interpreta o resultado das negociações como um regresso de Merkel ao controlo da dinâmica política na União, propondo a sua ministra da Defesa para a presidência da Comissão Europeia e assente numa aliança germano-francesa que provavelmente dará a Madame Lagarde as rédeas do BCE. Teresa de Sousa saúda ainda a solução como a única viável para travar as veleidades de Orbán e do grupo de Visegrado. Já Rui Tavares interpreta a queda estrondosa da candidatura do socialista Timmermans à Comissão Europeia como uma cedência em toda a linha aos populistas de leste e amantes da chamada democracia iliberal, reforçada pelo facto da candidatura de Margrethe Vestager nem sequer ter sido considerada uma alternativa. A rejeição de Timmermans resulta segundo Rui Tavares de uma imposição de Orbán junto do PPE e a jogada socialista deu-lhe apenas o Parlamento Europeu (um socialista italiano) e a Política Externa na figura de Josep Borrel, talvez hoje o político espanhol mais experimentado e consensual. Para tanto afã de António Costa, o saldo é bem poucochinho. A nossa pequena dimensão e irrelevância política acaba sempre por vir ao de cima sobretudo em tempos tortuosos como os da negociação de ontem.

Numa primeira reação avaliativa estarei mais próximo de Rui Tavares do que de Teresa de Sousa, mas terei de regressar ao tema, até porque Margrethe Vestager era a minha candidata preferida à Presidência da Comissão.

Quanto à minha intervenção amanhã em Aveiro e em relação ao já avançado no último post, ainda redigido sob o envolvimento da modorra algarvia, vou essencialmente situar o futuro da política regional europeia à luz do que me parecem ser as vantagens mas também os constrangimentos e limitações das chamadas políticas “place-based” (PPB). Se para efeitos de política e decisão na União, tais políticas foram colocadas na agenda europeia pelo célebre Relatório Barca (Fabrizio) nos tempos em que os italianos ainda tinham uma visão construtiva da Europa, cientificamente é um artigo do Journal of Regional Science de 2012, redigido por Fabrizio Barca, Philippe McCann e Andrés Rodriguez-Pose. Esse artigo foi, então, para mim música celestial, pois, decididamente e após uma minha longa incursão pelo tema, a política regional e a economia do desenvolvimento finalmente fertilizavam-se cruzadamente. As PPB representavam então uma forte reação às políticas territorialmente cegas, exemplo da pretensa unidimensionalidade do desenvolvimento. Elas eram também a representação de que a história, os traços institucionais, os modelos não canónicos de desenvolvimento urbano apontam para um desenvolvimento multidimensional, de múltiplos caminhos e como o patrono deste blogue, Albert O- Hirschman, o afirmava com veemência, conduzindo frequentemente a trajetórias de desenvolvimento imprevistas, al revés como dizem os meus amigos espanhóis e latino-americanos. As PPB desempenham por isso na minha formação um momento de síntese, de cruzamento entre o meu universo da economia do desenvolvimento e o meu outro mundo da política regional e do planeamento territorial.

No entanto, e esse vai ser um dos meus pontos fundamentais na conferência, penso que se está a pedir de mais às PPB. O que é que eu entendo por pedir de mais às PPB? Por exemplo, admitir que serão as PPB a resolver o problema das contradições europeias entre as suas agendas de programação e a operacionalização do conceito de coesão territorial, entretanto vertido para os tratados sem a meu ver um tratamento aprofundado das suas implicações.

O problema é que as políticas de inovação e a variante moderna do fomento de padrões territoriais de “servicização” baseada em serviços intensivos em conhecimento às empresas (número temático da Regional Studies de março de 2019) podem ser também consideradas PPB, a partir do momento em que são conhecidos os determinantes espaciais da inovação (economias de aglomeração e de proximidade, externalidades, concentrações de recursos de conhecimento e de talentos). Ora isso significa que o trade-off entre eficiência e equidade territorial que está no coração da operacionalização do conceito de coesão territorial não é resolvido pelas PPB.

Com base na relação virtuosa entre políticas de inovação e PPB é, pelo menos, possível escapar ao mega-domínio das grandes aglomerações urbanas europeias, que o tempo longo do progresso tecnológico e da inovação não pode deixar de favorecer. Os mesmos argumentos de aglomeração, proximidade e de concentração de recursos de conhecimento podem favorecer extensões do desempenho inovação a uma família mais heterogénea de sistemas regionais de inovação. Mas daí a admitir que as PPB nos poderão eximir à procura de equilíbrios social e politicamente toleráveis entre eficiência e equidade territorial vai um grande passo.

Aliás, penso que tal pretensão colocará as PPB sob fogo intenso. O que eu penso é que os argumentos “place-based” de exploração das economias de aglomeração e proximidade e de intensa circulação do conhecimento não são extensíveis a todas as tipologias de territórios. Logo, a coesão territorial exigirá outras abordagens e talvez aí a fertilização cruzada com a economia do desenvolvimento possa dar de novo os seus frutos.

Veremos que espaço se abrirá na sessão de amanhã para levar bem mais fundo estas questões.

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