(O desfecho das caóticas negociações para a escolha dos
altos postos da União Europeia tiveram o condão de me baralhar profundamente. Entretanto, a intervenção no painel inaugural do
26º Encontro da APDR em Aveiro obriga a um desvio que espero produtivo, pelo
que a baralhação aguardará um outro tempo para ser dissipada.)
Teresa de Sousa e Rui Tavares são duas personalidades da opinião pública
portuguesa que muito aprecio. O seu tempo na comunicação social é um tempo com
que me identifico, sério, pausado, sempre profundo e sobretudo interessado nos
valores fundamentais da democracia, por mais pesados que sejam os desafios ou
até mesmo desvios que sobre ela se acumulem.
Porquê esta comparação?
Foi hoje percetível que as negociações para a escolha dos altos postos da
União tiveram cenas de faca e alguidar, não sei mesmo se de faca na liga. De tudo
que me foi possível perceber, a esperada cooperação entre socialistas e
liberais deparou em plena caminhada para as decisões finais com uma “santa
aliança” entre o inefável PPE e os países do chamado grupo de Visegrado, onde
proliferam conceções e aparatos que de democracia nem sequer ao nome poderão
aspirar. Só alguém muito distraído é que não perceberá que a tentativa do PPE de
se libertar de grupo tão incómodo com Orbán à cabela de todas as ameaças cheira
a encenação de fraca qualidade.
Pois a leitura cruzada das crónicas de Teresa de Sousa e de Rui Tavares
sobre precisamente essa matéria aponta para interpretações, não direi radicalmente
opostas, mas pelo menos com cambiantes que, dada a minha forte proximidade ao
pensamento das duas personalidades, me causa baralhação. Prometendo regressar ao
tema, Teresa de Sousa interpreta o resultado das negociações como um regresso
de Merkel ao controlo da dinâmica política na União, propondo a sua ministra da
Defesa para a presidência da Comissão Europeia e assente numa aliança germano-francesa
que provavelmente dará a Madame Lagarde as rédeas do BCE. Teresa de Sousa saúda
ainda a solução como a única viável para travar as veleidades de Orbán e do
grupo de Visegrado. Já Rui Tavares interpreta a queda estrondosa da candidatura
do socialista Timmermans à Comissão Europeia como uma cedência em toda a linha
aos populistas de leste e amantes da chamada democracia iliberal, reforçada pelo
facto da candidatura de Margrethe Vestager nem sequer ter sido considerada uma
alternativa. A rejeição de Timmermans resulta segundo Rui Tavares de uma
imposição de Orbán junto do PPE e a jogada socialista deu-lhe apenas o
Parlamento Europeu (um socialista italiano) e a Política Externa na figura de
Josep Borrel, talvez hoje o político espanhol mais experimentado e consensual. Para
tanto afã de António Costa, o saldo é bem poucochinho. A nossa pequena dimensão
e irrelevância política acaba sempre por vir ao de cima sobretudo em tempos
tortuosos como os da negociação de ontem.
Numa primeira reação avaliativa estarei mais próximo de Rui Tavares do que
de Teresa de Sousa, mas terei de regressar ao tema, até porque Margrethe
Vestager era a minha candidata preferida à Presidência da Comissão.
Quanto à minha intervenção amanhã em Aveiro e em relação ao já avançado no último
post, ainda redigido sob o envolvimento da modorra algarvia, vou essencialmente
situar o futuro da política regional europeia à luz do que me parecem ser as
vantagens mas também os constrangimentos e limitações das chamadas políticas “place-based” (PPB). Se para efeitos de
política e decisão na União, tais políticas foram colocadas na agenda europeia
pelo célebre Relatório Barca (Fabrizio) nos tempos em que os italianos ainda
tinham uma visão construtiva da Europa, cientificamente é um artigo do Journal of Regional Science de 2012,
redigido por Fabrizio Barca, Philippe McCann e Andrés Rodriguez-Pose. Esse artigo
foi, então, para mim música celestial, pois, decididamente e após uma minha longa
incursão pelo tema, a política regional e a economia do desenvolvimento
finalmente fertilizavam-se cruzadamente. As PPB representavam então uma forte
reação às políticas territorialmente cegas, exemplo da pretensa unidimensionalidade
do desenvolvimento. Elas eram também a representação de que a história, os
traços institucionais, os modelos não canónicos de desenvolvimento urbano apontam
para um desenvolvimento multidimensional, de múltiplos caminhos e como o
patrono deste blogue, Albert O- Hirschman, o afirmava com veemência, conduzindo
frequentemente a trajetórias de desenvolvimento imprevistas, al revés como dizem os meus amigos espanhóis
e latino-americanos. As PPB desempenham por isso na minha formação um momento
de síntese, de cruzamento entre o meu universo da economia do desenvolvimento e
o meu outro mundo da política regional e do planeamento territorial.
No entanto, e esse vai ser um dos meus pontos fundamentais na conferência,
penso que se está a pedir de mais às PPB. O que é que eu entendo por pedir de
mais às PPB? Por exemplo, admitir que serão as PPB a resolver o problema das
contradições europeias entre as suas agendas de programação e a operacionalização
do conceito de coesão territorial, entretanto vertido para os tratados sem a
meu ver um tratamento aprofundado das suas implicações.
O problema é que as políticas de inovação e a variante moderna do fomento
de padrões territoriais de “servicização” baseada em serviços intensivos em
conhecimento às empresas (número temático da Regional Studies de março de 2019) podem ser também consideradas
PPB, a partir do momento em que são conhecidos os determinantes espaciais da
inovação (economias de aglomeração e de proximidade, externalidades, concentrações
de recursos de conhecimento e de talentos). Ora isso significa que o trade-off
entre eficiência e equidade territorial que está no coração da operacionalização
do conceito de coesão territorial não é resolvido pelas PPB.
Com base na relação virtuosa entre políticas de inovação e PPB é, pelo
menos, possível escapar ao mega-domínio das grandes aglomerações urbanas europeias,
que o tempo longo do progresso tecnológico e da inovação não pode deixar de favorecer.
Os mesmos argumentos de aglomeração, proximidade e de concentração de recursos
de conhecimento podem favorecer extensões do desempenho inovação a uma família
mais heterogénea de sistemas regionais de inovação. Mas daí a admitir que as
PPB nos poderão eximir à procura de equilíbrios social e politicamente toleráveis
entre eficiência e equidade territorial vai um grande passo.
Aliás, penso que tal pretensão colocará as PPB sob fogo intenso. O que eu
penso é que os argumentos “place-based”
de exploração das economias de aglomeração e proximidade e de intensa circulação
do conhecimento não são extensíveis a todas as tipologias de territórios. Logo,
a coesão territorial exigirá outras abordagens e talvez aí a fertilização cruzada
com a economia do desenvolvimento possa dar de novo os seus frutos.
Veremos que espaço se abrirá na sessão de amanhã para levar bem mais fundo
estas questões.
Sem comentários:
Enviar um comentário