(Não é que a escritora, certamente de mal com a vida, não tenha o direito
de discutir e pronunciar-se sobre os temas mais impopulares ou delicados que
entender. O problema não está aí. O verdadeiro está no ódio que destila relativamente
a algumas causas da esquerda e sobretudo na cedência a generalizações abusivas que
não são dignas de uma investigadora associada ao nome do Instituto de Ciências
Sociais. E já agora, por questões de
clareza, não tenho qualquer problema de que o Público tenha publicado o artigo
da historiadora. Tal como Ferreira Fernandes o escreveu no Diário de Notícias,
o contributo do jornal para a pluralidade não pode ser esquecido.)
Não está em causa a seguramente valiosa obra de investigação da
historiadora associada ao ICS e com passagem pela Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Mas é inequívoco que MFB faz parte de
um coro de cronistas do Observador que, independentemente das suas ideias, é
sistematicamente traída pelo seu ressabiamento em relação à esquerda, com um
sentimento vingativo e de revisão da história recente portuguesa. Não faço
ideia das razões que podem explicar estes traços profundos do pronunciamento público
da historiadora. Imagino que não tenha sido fácil a sua passagem pela FCSH da Universidade
Nova, à Avenida de Berna em Lisboa, que as más-línguas costumam associar a um
templo de bloquistas. Não imagino também que sequelas tenha deixado em MFB a
relação marital com um dos grandes intelectuais portugueses do 25 de Abril, o
Engenheiro João Martins Pereira, um dos grandes expoentes da esquerda desse tempo,
com páginas decisivas para compreendermos as transformações imediatas do pós-74.
Mas escrever com o ódio e o ressabiamento à flor da pele não é de certeza uma
tarefa fácil, sobretudo pela incompatibilidade manifesta com o rigor científico
e de pensamento que se pede a uma investigadora.
MFB tinha todo o direito de se pronunciar sobre os controversos temas das quotas
étnico-raciais, o próprio racismo, os difíceis temas da integração cultural e
da multiculturalidade em sociedades tolerantes como a nossa e até sobre os
eventuais fenómenos de xenofobia existentes entre outras culturas que não a ocidental.
Mas, em meu entender, discutir esses assuntos exige rigor, distância e
sobretudo não o fazer num estado de ódio e ressabiamento como aquele que
atravessa neste momento o posicionamento da historiadora. É perturbador como
uma investigadora cede às mais incríveis generalizações abusivas para defender
as suas ideias, homenageando o senso comum que vomita generalizações abusivas
dessa natureza e com base nas mesmas constrói teorias conspirativas e catastróficas
sobre o nosso futuro face aos outros. Acho que estamos perante uma morte desesperada
de quem alguma vez terá sido investigadora rigorosa, abraçando argumentos e
teses que resultam do mais agudo impressionismo generalizador, a ponto do texto
poder ser considerado um pronunciamento racista e xenófobo. É um trágico sinal
dos tempos termos uma investigadora rendida ao canto mais imperfeito da sereia
populista, em meu entender apenas por destilar ódio e ressabiamento pelas causas
de uma certa esquerda, fazendo jus ao estatuto de investigadora traumatizada sabe-se
lá por que ventos saídos desse quadrante político.
É claro que o que nos conforta é que por cada destilar de ódio e ressabiamento
emerge sempre um outro tipo de contributo, repondo as condições de uma
sociedade tolerante que somos, como é por exemplo o artigo de Ferreira
Fernandes no Diário de Notícias ou o de Marta Mucznik no Observador (links aqui e aqui)
À MFB recomenda-se tratamento psicanalítico sério, capaz de investigar e
tratar as razões de ódio e ressabiamento tão profundos.
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