quinta-feira, 11 de julho de 2019

UMA CURIOSIDADE



(Enquanto procurava por outra informação de base estatística, reconstituí uma série OCDE -link aqui - sobre o comportamento dinâmico da produtividade total dos fatores entre 1985 e 2016, cerca de três décadas marcadas por transformações relevantes. O que vemos no gráfico de abertura a este post é um comportamento recente que inspira alguma reflexão, sobretudo a partir do tipo de interpretações que costumam ser associadas a este indicador.)

A produtividade total dos fatores (PTF) é dos tais indicadores económicos que evidenciam bem as dificuldades e as limitações de algumas das ferramentas analíticas com que os economistas mais macro trabalham. Se nos reportarmos a um modelo de crescimento económico em que este é influenciado por dois fatores de produção, capital e trabalho, a produtividade total dos fatores medirá teoricamente a influência sobre o crescimento das variações que não possam ser reportadas exclusivamente a cada um dos fatores. A PTF é, assim, um resíduo explicativo, como dizia Solow a medida da nossa ignorância relativamente aos fatores para além do capital e do trabalho e das suas produtividades que influenciam o produto. Para um modelo de crescimento mais sofisticado, em que para além do capital e do trabalho, tenhamos por exemplo o capital humano (as qualificações do trabalho) e o conhecimento medido por exemplo pelo ritmo de produção de ideias com valor económico, a PTF representará um resíduo “mais residual”.

A PTF representa numa certa perspetiva uma relação de amor e ódio entre os economistas e os indicadores à sua disposição para explicar o crescimento. Podemos associar-lhe uma certa interpretação, mas acabamos sempre por remoer as suas limitações.

A interpretação mais comum atribuída à PTF é que a sua variação mede a eficiência global da economia, o modo como ela combina dinamicamente os seus recursos (fatores de produção). A PTF seria, assim, uma medida do crescimento intensivo, em contraponto à influência das quantidades físicas de capital e trabalho. Quando a PTF evolui a taxas negativas, estaremos perante sintomas de baixa eficiência global. Há quem associe a esta interpretação os custos de contexto (justiça, qualidade da administração e outras variáveis do tipo), mas não será por isso que as palavras de Solow soarão reconduzindo-nos à dura realidade da fragilidade da medida.

Com este contexto, a reconstituição da série OCDE da PTF esclarece-nos que depois de uma longa trajetória descendente, a PTF dá alguns sinais de poder iniciar uma trajetória de crescimento mais regular. Parece evidente também que os primeiros anos da integração europeia foram anos de elevado crescimento da PTF. Só mais recentemente, mais especificamente no ano de 2010, o ritmo de variação da PTF teve um pequeno pico, embora ainda inferior aos picos dos anos dourados da integração europeia.

Esta informação sugere alguma coisa mas não explicita nada de concreto. Pressentimos que a economia portuguesa debate-se com vários tipos de ineficiência global, mas a medida da nossa ignorância não nos abandona. São questões organizacionais que puxam para cima os custos de transação da atividade empresarial em Portugal? É a qualidade da administração e da justiça que compromete a virtuosidade da combinação de fatores? São as baixas qualificações médias que influenciam essa capacidade de bem combinar? Não sabemos. A PTF desperta a nossa curiosidade. Uns encolherão os ombros e dirão “que se lixe”. Outros, com modelos adequados e curiosidade organizada irão esgravatar o resíduo e expurgá-lo do que podemos conhecer e imputar ao crescimento. Face à não divulgação de trabalhos nesta última direção, não sei se o encolher de ombros é o predominante. Ou se a investigação está em curso e dará resultados.

E assim, com tantas limitações, ainda trabalhamos com um conceito que data de meados dos anos de 50 com os trabalhos de Solow, que foi o primeiro a reclamar toda a acautela do mundo para interpretar os valores.

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