segunda-feira, 15 de julho de 2019

LAPA, ALEXANDRE, MEDICINA, IPATIMUP E MUITA ESTRADA


Notável entrevista de Manuel Sobrinho Simões ao “i”. Não vou aqui repetir-me sobre a incomensurável admiração que nutro por este cidadão e investigador portuense com raízes arouquenses e adoção ancorense, quer pelo que ele é, quer pelo que ele fez e faz, quer pelo que ele sente, sabe e transmite. Limito-me aqui a citar uma breve passagem, apenas porque a tal não consigo resistir.

P – Guardamos ADN de quantas gerações?
R – Se falamos de ADN vírico, temos uma grande percentagem de material genético nosso hoje que é considerado ADN de mamífero que foi incorporado há milhões de anos através de vírus. É o que tem graça nos genes, saber de onde viemos. Não é saber o futuro. O futuro é estilo de vida, é comportamento. Os genes dizem-nos que viemos todos do mesmo sítio. Condicionam quando há uma doença hereditária, mas na grande maioria das pessoas são variações menores.

P – Chegou a pensar-se que a inteligência estava nos genes.
R – Foi um erro, uma excessiva crença na genética. Hoje em dia ninguém acredita nisso. Mas voltando àquela pergunta que estava a fazer das gerações: encontramos no nosso ADN muitas sequências que vêm de animais muito inferiores.

P – Macacos?
R – Muito mais inferiores. Ou plantas. Vá para os brócolos. Os brócolos têm aí 15% de biologia connosco. Vivemos todos das mesmas células originais, quando tudo começou, quando começaram as bactérias. Claro que quando nos separámos não era este brócolo, era o ascendente do brócolo.

P – Estamos então a comer...
R – Primos afastados, sempre [risos]. Se for um pato já é um primo menos afastado. 
Isto pode baralhar os vegetarianos.
Bom, mas aí entra a questão da carne, do sofrimento. E é verdade que exageramos no consumo de carne, há um consumo como se não houvesse amanhã e hoje em dia é possível que as pessoas façam um autocontrolo e algumas sejam vegetarianas, mas temos de perceber que há um milhão de anos, ou há 100 mil anos, quem fosse vegetariano, morria. É um luxo.

P – É um luxo do homem moderno?
R – Não tenha dúvidas. Ficámos espertos porque comíamos muita carne.

P – Mas por causa do ferro?
R – Do ferro, magnésio, mesmo a proteína.

P – Quem não come carne corre o risco de regredir?
R – Não, agora não, e há muitas formas de compensar nos nutrientes. E aí está mais uma questão que me levava para as neurociências: como é que ficámos espertos em 8 mil anos? Ficámos espertos como o diabo. Eu não sou crente, nunca fui, mas acho que há qualquer coisa de extraordinário num tipo que num curto espaço de tempo fica assim esperto.

P – Alguns autores defendem que o controlo do fogo muito antes foi crucial, poder dormir mais tempo, em segurança.
R – Sim. E ficarmos de pé. Mas não deixa de ser assustador como ficámos tão espertos, tornámo-nos predadores como ninguém. E continuamos a aumentar: não há mais nenhuma espécie a aumentar, nós comemos tudo. E não vamos caber no planeta, que é outro problema. O Homem tornou-se quase sagrado: começa a tocar música, a cozinhar, a cantar. Foi muito chato pormo-nos de pé, mas libertámos as mãos e começámos a escrever. Antigamente dizia-se que o que distinguia o Homem de outras espécies era saber que vai morrer. Hoje em dia sabemos que há muitas espécies que sabem que vão morrer. Não sei em que momento é que sabem, há quanto tempo, mas vemos os elefantes, alguns peixes... Retiram-se. Não é por aí. Não é também a vocalização, há muitos animais que comunicam, as formigas.

P – O que é? A autoconsciência?
R – Autoconsciência e capacidade de abstração que se representa pela escrita.

P – Os pássaros não fazem desenhos no céu quando voam?
R – Não é igual. Quer dizer, vão para ilhas pequeninas, voam de um sítio para outro milhares de quilómetros. É um GPS. Diz-se que é o instinto. O instinto é a memória da espécie. Se estamos cá é porque a espécie sobreviveu a fazer assim. Sei que é uma vulgata de Darwin, mas a gaivota que vai e não acerta, morre. E nós durante milhares de anos, milhões de anos, fomos sempre selecionados pela eficiência, pela sobrevivência.

P – E o que se segue para o Homem?
R – Agora fala-se da substituição de homens por robôs. Vamos diminuir o emprego, a não ser que encontremos uma forma de ocupar as pessoas. Haverá o lado social, tomar conta de crianças, velhinhos, funções em que é preciso um fator humano. Mas o operariado clássico vai ser substituído. Como vai ser? Não sei. Teria tendência a achar que as crianças, uma vez que vão viver num mundo em que vai haver muitos robôs, em vez de as treinar na matemática e na física, deviam ser treinadas era na arte, na música ou na dança. Mas estou a inventar, não sei nada disto: sou um gajo que vê ao microscópio e faz diagnóstico de cancro. Recebemos casos e analiso, isto é a minha vida, muito objetiva.

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