(É com a voz de Cecilia Bartoli e o Lascia la Spina,
Cogli la Rosa, ária de Handel do seu Il Tronfo del Tempo e del Disinganno, que
melhor identifico as minhas nostalgias de verão. Encontros e desencontros com os mais próximos, a
penosidade do trabalho em tempo que já puxa para o repouso, a logística das férias,
o afastamento e o reencontro com as casas, memórias de juventude, são algumas
das condições em que a nostalgia floresce.)
O magnífico Lascia la Spina, Cogli la
Rosa de Handel cantado pelo portento da voz de Cecilia Bartoli (como a
gostaria de a ver de novo numa récita como a da Gulbenkian, em Lisboa, já se me
perdeu na memória o ano em que foi) (link aqui) está integrado num disco magnífico que já tem
cerca de 15 anos – OPERA PROIBITA em que Cecilia canta áreas de Caldara, Handel
e Scarlati acompanhada dos Musiciens du
Louvre dirigidos por Marc Minkowski. Houve quem visse no disco e sobretudo
na sua capa, uma manobra sensacionalista da Decca. A revista Gramophone escreveu
então o seguinte: “No fim de contas, uma designação mais
literal como ‘Árias das oratórias do Barroco Italiano compostas para Roma e
datadas de um curto período durante o qual o Papado proibiu o entretenimento
secular’, mas certamente não geraria os mesmos impulsos suscitados pelas imagens
com as poses sensuais de Bartoli recriadas a partir da inspiração de Fellini em
La Dolce Vita”.
O disco é globalmente magnífico e nele se compreende que para além da Voz com
que a proteção divina a brindou, Cecilia Bartoli é uma entusiasta da recuperação
histórica dos ambientes em que a ópera floresceu. Neste caso, trata-se de um disco
que procura projetar-se nos tempos em que a ópera era proibida em Roma na
primeira década do século XVIII, em que o catolicismo de então dava mostras de
comportamentos proibicionistas para mascarar a sua incapacidade de conviver com
o teatro, com ou sem música.
Não sei por que carga de água a ária Lascia la Spina se identifica-se bem
com as minhas costumeiras nostalgias de verão. Dou por mim a ouvi-la vezes em
fim, enquanto percorro os encontros e desencontros do verão, a penosidade dos
dias de maior calor e do trabalho que nunca acaba, os reencontros mas também o
afastamento das casas, as recordações das férias juvenis, a finitude da vida.
Por isso, invoco aqui Bartoli e o seu Lascia la Spina.
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