terça-feira, 16 de julho de 2019

NOSTALGIAS DE VERÃO



(É com a voz de Cecilia Bartoli e o Lascia la Spina, Cogli la Rosa, ária de Handel do seu Il Tronfo del Tempo e del Disinganno, que melhor identifico as minhas nostalgias de verão. Encontros e desencontros com os mais próximos, a penosidade do trabalho em tempo que já puxa para o repouso, a logística das férias, o afastamento e o reencontro com as casas, memórias de juventude, são algumas das condições em que a nostalgia floresce.)

O magnífico Lascia la Spina, Cogli la Rosa de Handel cantado pelo portento da voz de Cecilia Bartoli (como a gostaria de a ver de novo numa récita como a da Gulbenkian, em Lisboa, já se me perdeu na memória o ano em que foi) (link aqui) está integrado num disco magnífico que já tem cerca de 15 anos – OPERA PROIBITA em que Cecilia canta áreas de Caldara, Handel e Scarlati acompanhada dos Musiciens du Louvre dirigidos por Marc Minkowski. Houve quem visse no disco e sobretudo na sua capa, uma manobra sensacionalista da Decca. A revista Gramophone escreveu então o seguinte: “No fim de contas, uma designação mais literal como ‘Árias das oratórias do Barroco Italiano compostas para Roma e datadas de um curto período durante o qual o Papado proibiu o entretenimento secular’, mas certamente não geraria os mesmos impulsos suscitados pelas imagens com as poses sensuais de Bartoli recriadas a partir da inspiração de Fellini em La Dolce Vita”.

O disco é globalmente magnífico e nele se compreende que para além da Voz com que a proteção divina a brindou, Cecilia Bartoli é uma entusiasta da recuperação histórica dos ambientes em que a ópera floresceu. Neste caso, trata-se de um disco que procura projetar-se nos tempos em que a ópera era proibida em Roma na primeira década do século XVIII, em que o catolicismo de então dava mostras de comportamentos proibicionistas para mascarar a sua incapacidade de conviver com o teatro, com ou sem música.

Não sei por que carga de água a ária Lascia la Spina se identifica-se bem com as minhas costumeiras nostalgias de verão. Dou por mim a ouvi-la vezes em fim, enquanto percorro os encontros e desencontros do verão, a penosidade dos dias de maior calor e do trabalho que nunca acaba, os reencontros mas também o afastamento das casas, as recordações das férias juvenis, a finitude da vida.

Por isso, invoco aqui Bartoli e o seu Lascia la Spina.

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