terça-feira, 30 de julho de 2019

CORBYN NAS CATACUMBAS



(Quando a história ganhar a distância suficiente aos tempos maléficos que vivemos dará seguramente conta de como o Partido Trabalhista teve o líder errado quando mais precisava de uma alternativa mobilizadora para conter o desregramento conservador, iniciado com a mais estúpida política de austeridade alguma vez praticada no Reino Unido. Tal como o Reino Unido se arrisca a cair em pedaços, também os Trabalhistas, tal qual velha porcelana já gasta, correm o risco de caminhar para uma certa irrelevância política.)

Sem ponta de maledicência, equiparo Jeremy Corbyn aquelas peças decorativas um pouco retro, de que inicialmente todos gostamos pelo efeito diferença por elas gerado mas que, se não quisermos ficar presos irremediavelmente ao passado, rapidamente as ignoramos porque não dizem com a evolução dos tempos. Assim aconteceu com a primeira reação do eleitorado à mensagem de Corbyn, afinal ele era dos duros, dos que não quebra, e uma certa juventude desencantada inglesa, farta da pegada deixada por Tony Blair, alinhou inicialmente com o tom. Esse eleitorado mais jovem juntou-se aos sindicalistas da velha guarda, presos ao passado e deu a ideia de que o Partido Trabalhista poderia ser uma alternativa, primeiro à austeridade louca e despropositada e só justificada por propósitos de engenharia social de Osborne e Cameron (a ordem não é indiferente) e, depois, ao desvario do Brexit.

Pois à medida que o Parlamento foi ensandecendo e que os Brexiters começaram a dar sinais demasiado evidentes que não tinham antecipado a argolada em que se meteram e sobretudo aquele desejo serôdio de regresso ao passado imperial (como se o tempo voltasse para trás), foi cada vez mais visível que os “Remainers” não poderiam contar ou pouca coisa esperar da herança trabalhista. Para cúmulo, Corbyn deixou-se enredar na questão do seu alegado anti-semitismo, com histórias muito mal contadas e pouco claro nas suas tomadas de posição quanto a essa matéria. Mais ainda, a sua posição quanto à hipótese de um novo referendo foi sempre esquiva e pouco convincente, arrastando-se em contradições e em tempos táticos de espera política, fazendo perceber ao eleitorado que, na prática e bem lá no fundo das suas convicções, estaria mais perto do Leave do que do Remain.

O testemunho (link aqui) que trago aqui hoje vale o que vale até porque desempenhou funções de diretor de comunicação de Tony Blair, Alastair Campbell de seu nome e só isso chega para inspirar todas as reservas e cautelas que se exigem a alguém de bom senso. Mas o processo de expulsão de que foi alvo pelo facto de ter afirmado publicamente que vou nos Liberais para as eleições europeias, a sua defesa e a sua última conclusão de que já não valeria a pena pois não se identifica mais com a maneira de intervir do Labour constituem matéria e testemunho relevantes, podendo considerar-se um bom indicador do desencanto que grassa entre as hostes trabalhistas. Os mais convictos Trabalhistas vêm passar ao lado uma grande oportunidade ditada pelo desvario dos Conservadores.

De um artigo que Alastair Campbell escreveu para o New European e que o Guardian editou em versão mais resumida recupero um excerto que bate no ponto certo:

Receio que o país possa já ter decidido que não tem intenções de te transformar em primeiro-Ministro. Não te censuro pelo Brexit e pela confusão em que o Reino Unido está mergulhado. David Cameron, Theresa May, Boris Johnson e Michael Gove, Nigel Farage e os media britânicos estão todos à tua frente na fila de responsabilidades. Mas estou convicto que a tua abordagem meio comprometida na campanha do referendo há três anos contribuiu para a vitória do Leave. O teu falhanço em assegurar uma liderança consistente acerca do assunto constituiu um enorme desapontamento.
Não sei nesta altura em quem votarei na próxima eleição e assumi esta decisão depois de Sóter discutido esta questão com a família e com pequeno número de amigos pessoais próximos. Não faz parte de algum plano mais vasto mas apenas uma decisão profundamente pessoal. O que sei é que estamos num momento verdadeiramente perigoso. Para ter alguma chance de parar Johnson e evitar um hard Brexit tens de te erguer agora e assegurar a liderança do anti-Brexit, uma causa anti-populista – embora tenhamos de reconhecer que a perda de confiança na tua abordagem ao Brexit possa já ser demasiado tarde para recuperar alguns apoiantes”.

Mas, oxalá me engane, as catacumbas em que Corbyn se deixou mergulhar são tão profundas que a luz da realidade já aparece filtrada pelo passado petrificado das suas ideias, estando para lá do nevoeiro.

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