(Quando a história ganhar a distância suficiente aos
tempos maléficos que vivemos dará seguramente conta de como o Partido
Trabalhista teve o líder errado quando mais precisava de uma alternativa mobilizadora
para conter o desregramento conservador, iniciado com a mais estúpida política
de austeridade alguma vez praticada no Reino Unido. Tal como o Reino Unido se arrisca a cair em pedaços,
também os Trabalhistas, tal qual velha porcelana já gasta, correm o risco de
caminhar para uma certa irrelevância política.)
Sem ponta de maledicência, equiparo Jeremy Corbyn aquelas peças decorativas
um pouco retro, de que inicialmente todos gostamos pelo efeito diferença por
elas gerado mas que, se não quisermos ficar presos irremediavelmente ao passado,
rapidamente as ignoramos porque não dizem com a evolução dos tempos. Assim aconteceu
com a primeira reação do eleitorado à mensagem de Corbyn, afinal ele era dos
duros, dos que não quebra, e uma certa juventude desencantada inglesa, farta da
pegada deixada por Tony Blair, alinhou inicialmente com o tom. Esse eleitorado
mais jovem juntou-se aos sindicalistas da velha guarda, presos ao passado e deu
a ideia de que o Partido Trabalhista poderia ser uma alternativa, primeiro à austeridade
louca e despropositada e só justificada por propósitos de engenharia social de Osborne
e Cameron (a ordem não é indiferente) e, depois, ao desvario do Brexit.
Pois à medida que o Parlamento foi ensandecendo e que os Brexiters começaram
a dar sinais demasiado evidentes que não tinham antecipado a argolada em que se
meteram e sobretudo aquele desejo serôdio de regresso ao passado imperial (como
se o tempo voltasse para trás), foi cada vez mais visível que os “Remainers” não poderiam contar ou pouca
coisa esperar da herança trabalhista. Para cúmulo, Corbyn deixou-se enredar na
questão do seu alegado anti-semitismo, com histórias muito mal contadas e pouco
claro nas suas tomadas de posição quanto a essa matéria. Mais ainda, a sua posição
quanto à hipótese de um novo referendo foi sempre esquiva e pouco convincente, arrastando-se
em contradições e em tempos táticos de espera política, fazendo perceber ao
eleitorado que, na prática e bem lá no fundo das suas convicções, estaria mais perto
do Leave do que do Remain.
O testemunho (link aqui) que trago aqui hoje vale o que vale até porque desempenhou
funções de diretor de comunicação de Tony Blair, Alastair Campbell de seu nome
e só isso chega para inspirar todas as reservas e cautelas que se exigem a alguém
de bom senso. Mas o processo de expulsão de que foi alvo pelo facto de ter afirmado
publicamente que vou nos Liberais para as eleições europeias, a sua defesa e a
sua última conclusão de que já não valeria a pena pois não se identifica mais
com a maneira de intervir do Labour constituem matéria e testemunho relevantes,
podendo considerar-se um bom indicador do desencanto que grassa entre as hostes
trabalhistas. Os mais convictos Trabalhistas vêm passar ao lado uma grande
oportunidade ditada pelo desvario dos Conservadores.
De um artigo que Alastair Campbell escreveu para o New European e que o Guardian
editou em versão mais resumida recupero um excerto que bate no ponto certo:
“Receio
que o país possa já ter decidido que não tem intenções de te transformar em
primeiro-Ministro. Não te censuro pelo Brexit e pela confusão em que o Reino
Unido está mergulhado. David Cameron, Theresa May, Boris Johnson e Michael
Gove, Nigel Farage e os media britânicos estão todos à tua frente na fila de
responsabilidades. Mas estou convicto que a tua abordagem meio comprometida na
campanha do referendo há três anos contribuiu para a vitória do Leave. O teu
falhanço em assegurar uma liderança consistente acerca do assunto constituiu um
enorme desapontamento.
Não sei
nesta altura em quem votarei na próxima eleição e assumi esta decisão depois de
Sóter discutido esta questão com a família e com pequeno número de amigos
pessoais próximos. Não faz parte de algum plano mais vasto mas apenas uma decisão
profundamente pessoal. O que sei é que estamos num momento verdadeiramente
perigoso. Para ter alguma chance de parar Johnson e evitar um hard Brexit tens
de te erguer agora e assegurar a liderança do anti-Brexit, uma causa anti-populista
– embora tenhamos de reconhecer que a perda de confiança na tua abordagem ao
Brexit possa já ser demasiado tarde para recuperar alguns apoiantes”.
Mas, oxalá me engane, as catacumbas em que Corbyn se deixou mergulhar são tão
profundas que a luz da realidade já aparece filtrada pelo passado petrificado das suas ideias,
estando para lá do nevoeiro.
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