sexta-feira, 5 de julho de 2019

COMPANHIA FREQUENTE



(Nas manhãs ou tardes de sexta-feira, dia de repouso no trabalho para um idoso estatístico em lenta, muito lenta, desaceleração da vida ativa, quando leio ou escrevo à secretária, tenho frequentemente uma companhia que começou por ser acidental, um casal de gaivotas, mas que hoje aparecem com alguma regularidade. Sinais de uma nova paisagem urbana.)

Há quem considere as gaivotas uma invasão indesejável da pacatez dos nossos jardins, decks, telhados, tudo o que nas habitações sirva para as ditas perscrutarem os ares. No meu caso, com duas clarabóias no telhado a beneficiarem do ar quente que sobe para o teto, há já algumas gerações destas aves que somos escolhidos para local de nidificação. As bichas são simpáticas de aparência, esteticamente elegantes, mas têm a particularidade de com os seus dejetos de adaptação urbana darem cabo de tudo que está limpo, incluindo viaturas, sem esquecer a partilha que realizam da alimentação para gatos que permaneça cá fora à sua disposição. As ditas cujas percorrem com algum ruído o vidro das referidas claraboias e em tempo de aprendizagem de voo das crias produzem um ruído por vezes ensurdecedor, que imagino perturbem gente de sono incerto ou alterado, o que não é o nosso caso.

Tenho por vizinho um cirurgião oftalmológico que se deixa amarguradamente desse ruído e que não raras vezes vê o seu sono retemperador comprometido com o ruído das criaturas. Com a nossa colaboração e anuência, tudo tem feito para afugentar as ditas, sem grande sucesso, pois as criaturas têm revelado uma rara capacidade de ultrapassagem dos obstáculos colocados à sua permanência nos telhados, tais como mochos simulados, picos de plástico resistente, retirada de ovos, tudo realizado com grandes precauções, pois as elegantes gaivotas vociferam e atacam quando sentem o seu mundo invadido.

Não deixa de ser curioso, porém, o olhar que as criaturas me dedicam nestas manhãs ou tardes de sexta ou no fim-de-semana. Gostaria de o saber interpretar, pois estou em crer que vão continuar a insinuar-se nesta paisagem urbana de uma zona residencial.

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