(Clara Ferreira Alves arrancou na revista do Expresso uma
apocalíptica entrevista a José Miguel Júdice. Independentemente do nosso posicionamento face à personalidade
e ao personagem, acho que a entrevista constitui um material precioso para entender
a transição da ditadura para a democracia em Portugal e os 45 anos da nossa
vida em liberdade.)
Confesso, à partida e sem rodeios, que a personalidade de JMJ não me inspira
aquela confiança que nós exigimos para que um personagem público nos possa
visitar em casa, seja literalmente, seja por via da intrusão televisiva. Para
ser sincero não sei explicar essa sensação de desconfiança. Essa falta de
empatia não significa, porém, desvalorização da personalidade ou do seu pensamento.
A entrevista de CFA a JMJ na revista do Expresso deste fim-de-semana é um
prodigioso documento sobre a história democrática portuguesa e sobre a vertigem
da evolução política do personagem. Para além de outras dimensões preciosas para
o entendimento da história recente portuguesa, a entrevista fornece dados biográficos
de JMJ que me eram totalmente desconhecidos, dados que se cruzam com traços marcantes
da transição para a vida democrática em Portugal. Os traços de caracterização
de personalidades como Cavaco Silva, Dias Loureiro, Álvaro Cunhal, Mário
Soares, Otelo Saraiva de Carvalho, entre outros, são impiedosos e
simultaneamente extremamente credíveis, sobretudo porque são tratados com uma
contextualização bem informada e vivida pelo personagem.
Mas o que é verdadeiramente notável na entrevista é a vertigem da evolução
política de JMJ, numa viagem cheia de paradoxos e contradições desde a sua
ligação ao pai comunista e amigo de Álvaro Cunhal até às suas deambulações pela
extrema-direita (que designa de não radical e extremista) e por outras paragens,
não esquecendo a sua passagem pela prisão nos tempos do 28 de setembro. CFA está
à altura dessa vertigem e uma grande parte do mérito do documento que a
entrevista representa é da jornalista e acutilante entrevistadora. São também
fascinantes as suas reflexões e memórias sobre o universo da advocacia e a sua
fixação nos “advogados de negócios” grupo com o qual não se identifica,
sobretudo agora quando, anuncia o próprio, se vai retirar aos 70 anos da
atividade profissional, neste momento concentrada em funções de arbitragem entre
grandes empresas de âmbito global.
Pode uma entrevista ser uma peça de análise histórica para memória futura?
Sim, pode e esta pertence com justiça e rigor a esse grupo.
Sem comentários:
Enviar um comentário