(Ilustração de João fazenda para a New Yorker)
(Tal como o sublinhei em post anterior, o populismo político
com que a chamada democracia iliberal se alimenta assenta em estratégias próprias
de cada das suas personalidades mais proeminentes, se bem que obedeça também a alguns
traços comuns ainda carenciados de estudo mais profundo. Hoje, como achega a esse tema que continuará em aberto
e sucessivamente enriquecido neste blogue, trago dois traços de peculiaridade dos
figurões Trump e Orbán.)
O primeiro traço respeita a Trump e é registado pela implacável NEW YORKER
através de um artigo de Jelani Cobb (link aqui). A despudorada tirada xenófoba de Trump relativamente
às quatro congressistas americanas, que teve um largo eco na opinião pública
americana e no Congresso, com sérios danos colaterais para os Democratas (diria
que antecipados pelo próprio Trump), traduz segundo a revista nova-iorquina uma
atitude de cidadania seletiva. Ou seja, numa reedição de outros momentos da história
americana, a cidadania americana estaria reservada apenas a alguns. No caso das
quatro congressistas não brancas o avanço para trás nas suas origens familiares
permitiria concluir que as famílias das congressistas seriam facilmente identificadas
como mais legitimamente americanas do que a própria família de Trump. O avanço
das estratégias de cidadania seletiva constitui uma deriva perigosa sempre com
basbaques e palermas a servir de coro, entoando atoardas como voltem para as
vossas terras.
O segundo traço respeita a um outro figurão, Victor Orbán e atrever-me-ia a
afirmar que ao pé de Orbán Trump é um aprendiz incipiente. A jornalista Valerie
Hopkins, correspondente do Financial Times em Budapeste (link aqui), traz para a reflexão
uma das vias mais insidiosas através das quais a maioria política de Orbán está
a desconstruir a democracia a leste. Trata-se de uma intervenção da mais fina
repressão, que poderíamos designar de
reescrita da história em proveito da figura do líder húngaro. O governo de Orbán
tem seletivamente tomado o controlo de alguns institutos ligados à investigação
histórica, restringindo progressivamente a sua independência e liberdade crítica.
A crónica da jornalista do Financial Times refere especialmente a intervenção
no chamado Instituto 1956 dedicado à investigação sobre a revolta de 1956
contra o domínio e influência da União Soviética. A intervenção teve por
objetivo integrar o Instituto 1956 no Veritas Historical Research Institute and
Archive dedicado, rezam os comentários mais críticos a reconstruir a imagem do
Grande Líder Victor Orbán. Orbán sempre procurou capitalizar a sua proximidade
face ao 1º ministro do tempo em que se deu o levantamento contra a União Soviética
Imre Nagy. Segundo os comentários da jornalista do Financial Times estará em
curso por parte de Orbán um processo de colocação em segundo da personalidade e
história de Nagy em proveito da afirmação da sua própria liderança. Como seria
de esperar, a integração do Instituto 1956 no outro instituto de investigação histórica
foi apresentada com um simples ato administrativo, ditado por razões de uma
mais eficiente organização da máquina do Estado.
Tal como o referia no referido post anterior, o populismo instalado dá
mostras de um domínio supremo do controlo do Estado. No caso de Trump, é o uso
seletivo dos mecanismos de atribuição da nacionalidade americana. No caso de
Orbán, é a utilização da máquina do Estado e do seu controlo para criar condições
de investigação para uma reescrita da história onde obviamente só haverá lugar
para o Grande Líder.
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