(Voz de Galicia)
(A vinheta humorística de Pinto&Chinto traz-nos uma Espanha de partida
para férias ainda sem orçamento para 2019 e às voltas com o labirinto político
em que está mergulhada na sequência das últimas eleições legislativas. Neste tipo de situações, não me atrevo a
antecipar com que ânimo os espanhóis estarão a preparar malas, viaturas e a
habitação que se deixa por uns tempos.)
Estes longos períodos de espera para dar uma sequência concreta a um ato
eleitoral em termos de governação representam sempre uma faca de dois gumes para
o bem ou mal da democracia. Por um lado, podem gerar inquietações, indeterminação
quanto baste, diferimento de decisões de vida, de consumo, de investimento, o
que pode ser negativo para a conjuntura económica, mas positivo do ponto de vista
de um desassossego democrático virtuoso. Mas, por outro lado, podem gerar uma perigosa
indiferença. Afinal isto vai funcionando, existe um governo em funções ainda
que debilitado e manietado na sua ação, as empresas e os serviços públicos não
deixam de existir por isso. Daí à perceção da dispensabilidade da barganha política
pode ser um passo e isso é nefasto para a democracia.
Do meu ângulo de observação, as conversas com alguns amigos espanhóis
(essencialmente galegos) e o acompanhamento da imprensa espanhola mais
representativa, tenho-me dedicado a tentar identificar quem são os destinatários
principais dos vitupérios dirigidos a políticos no ativo e com poder de decisão
culpabilizando-os do impasse criado.
Como seria previsível, esses destinatários variam muito consoante a origem
desses vitupérios.
Situemo-nos no ponto de vista da opinião pública espanhola mais nacionalista,
ciosa do “espanholismo”. Para esse quadrante, os maus da fita são seguramente
Pedro Sánchez e algumas lideranças autonómicas, visando sobretudo o primeiro
pela ousadia de admitir que o seu governo possa ser decidido pelo voto dos que,
segundo a sua opinião, querem desconstruir a velha Espanha. O comportamento político
de Sánchez facilita o alvo. De facto, muitas indefinidas negociações que Sánchez
promove com autonomistas e independentistas vão muito para além do seu modelo
de Espanha das nações ou regiões, matéria que sobretudo depois da deriva catalã
provoca pesadas indigestões nos que prezam a unidade da Espanha. Curiosamente, o
PODEMOS de Pablo Iglésias (por mais atribuladas que estejam as suas querelas
internas) suscita menos azedumes e vitupérios políticos do que o próprio Sánchez.
Do lado dos socialistas, o mau da fita tem variado em função das suas próprias
negociações de acordos parlamentares ou de governo. Rivera, líder do CIUDADANOS,
sobretudo a partir do momento em que guinou claramente à direita e rejeitou
qualquer conversa com o PSOE, foi quem atiçou os comentários mais agressivos. De
certa maneira pelo seu próprio comportamento e pelo que induz no PP de Pablo
Casado, foi Rivera que abriu a porta ao VOX do ponto de vista de acordos de
governo. Ultimamente, à medida que Pablo Iglésias do PODEMOS conduzia as
negociações com o PSOE como se de uma guerrilha urbana se tratasse, é
claramente o mau da fita para o PSOE.
Resta a perspetiva de uma direita mais esclarecida, que eu costumo associar
ao diário on line El Español e em
parte ao El Mundo. Apesar de eu próprio encontrar similaridades óbvias entre o
estilo do El Español e do Observador, arrisco-me a avançar com a ideia de que
ideologicamente não se trata de “direitas coincidentes”. Diria que no
Observador residem mais elementos de uma direita “alt-right” do que no El Español.
Neste último, predomina uma visão modernizante da economia que tendo a associar
ao modo como as correntes Opus Dei estão enraizadas na economia espanhola. Ora
para o El Español, representado sobretudo pelo pensamento do seu Diretor, Pedro
J. Ramirez, antigo jornalista do El Mundo, os resultados apontam inequivocamente
para a necessidade de um acordo PSOE-CIUDADANOS, permitindo o ajustamento do PP
e colocando na defensiva os independentismos. Em absoluta coerência com os
primeiros comentários de Pedro J. Ramírez sobre os resultados das eleições espanholas,
o jornal tem identificado Rivera como o mau da fita por se ter esquivado a esse
compromisso pela estabilidade política em Espanha. E não têm sido meigos. É uma
posição que ganha progressivamente mais adeptos. É o caso do meu amigo Ernesto
Pombo da Voz de Galicia que não hesita em invocar o pensamento de um dos fundadores
do CIUDADANOS, que prezo bastante, o constitucionalista Franscesc de Carreras, para classificar Rivera
como alguém que já foi um “jovem maduro e responsável” para se transformar num “adolescente
caprichoso”. Os espanhóis não brincam com estas coisas e chamam às coisas pelos
seus nomes, sem subterfúgios.
Com alguma surpresa para mim, o PP tem estado relativamente á margem dos maus da fita. Pablo Casado parece ter aprendido com a queda eleitoral.
Entretanto, já com as férias a clamar por banhos e repouso, os bascos mais
radicais afrontam a opinião pública espanhola recebendo em ombros alguns dos
presos ETA libertados e aparentemente sem arrependimento. É mais uma acha para a
fogueira que um dia destes queimará alguém.
Finalmente, pelas bandas da Galiza, o líder da Xunta de Galicia, Alberto Núñez
Feijoo, em pose de estadista e já a velar pelas futuras eleições autonómicas
nas quais, se se apresentar, enfrentará uma dura oposição do PSOE, encontrou-se
com a jovem e promissora militante do PSOE galego e alcaldesa da Corunha, Inés
Rey, para desbloquear projetos estratégicos pendentes naquele município.
Talvez as férias de Sánchez sejam mais complicadas do que as de Marcelo. O
espectro de novas eleições fará girar a roleta, embora o sempre acusado de
falta de imparcialidade centro de sondagens espanhol CIS desse ontem a maioria
absoluta a Sánchez acaso houvesse novas eleições.
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