quarta-feira, 24 de abril de 2024

A ENTREVISTA

 

(A data do 25 de abril aproxima-se, estamos no auge das comemorações dos 50 anos e uma coisa parece-me evidente, existe um ambiente efervescente em torno do evento a nível cultural e de investigação publicada, o que me parece ser a melhor notícia possível sobre o legado deixado pelo ministro da Cultura cessante, Pedro Adão e Silva. Do conjunto de produções que têm vindo a público haverá seguramente oportunidade de as comentar aqui neste espaço, sobretudo à medida que for tomando contacto com as mesmas. Destaco para já a investigação da historiadora Irene Funster Pimentel sobre o período entre o 25 de abril e o 25 de novembro de 1975 e o livro de Luís Freitas Branco.  Mas hoje queria alertar-vos para uma longa entrevista, cerca de quatro horas, creio que realizada em 1991, com Salgueiro Maia e que por mero acaso, ontem, ao fim da tarde, apanhei na Antena 2, enquanto vencia as agruras do trânsito entre Matosinhos e Vila Nova de Gaia. Ainda não consegui ouvir toda a entrevista, mas pelo que ouvi não tenho dúvidas em considerá-la um monumento de evidência histórica explicativa da Revolução e das condições que a tornaram irreversível e bem-sucedida.)

Há muito tempo que tinha percebido que Salgueiro Maia era uma personagem notável de coerência e convicções. Como ontem Fernando Rosas explicava com minúcia e segurança no telejornal da RTP 2, o 25 de abril é um golpe militar protagonizado não pela alta hierarquia militar, mas pelo seu corpo intermédio de capitães e majores, aos quais se juntou uma importante força de milicianos esclarecidos e politizados. Ouvindo a entrevista de Salgueiro Maia essa explicação torna-se cristalina e inabalável.

Do que ouvi destaco alguns aspetos que representam uma fonte de esclarecimento definitiva sobre os meandros do 25 de abril de 1974.

Em primeiro lugar, Salgueiro Maia fornece-nos nessa entrevista a melhor e mais acabada explicação possível do falhado golpe das Caldas da Rainha de 16 de março de 1974, evento de que tive conhecimento estando eu em Mafra no início do meu serviço militar de 27 meses através de uma estranha agitação que se viveu então no quartel. O que Salgueiro Maia nos diz é que o golpe de 16 de março falhou porque um conjunto de oficiais, com alguma informação do movimento em curso, quiseram oportunisticamente adiantar-se ao processo. E, ironia das ironias, o Regime de Cavalaria que seria determinante sob a direção de Salgueiro Maia no 25 de abril foi incumbido de intercetar e abortar as forças das Caldas da Rainha.

Um outro elemento precioso de informação é a explicação de Salgueiro Maia para a data do 25 de abril, apenas um mês depois do golpe falhado das Caldas. Diz-nos o bravo capitão que o regime receava fortemente o 1 de maio de 1974 e muito provavelmente sem o 25 de abril teria havido prisões preventivas entre os militares para evitar alguma intervenção destes nas comemorações do Dia do Trabalhador. Nessas condições, antecipar o inevitável ou arriscar a prisão era a única alternativa.

Um terceiro elemento precioso é a desmontagem operada por Salgueiro Maia da força militar do Regimento de Cavalaria de Santarém. Diz ele que do ponto de vista da perspetiva exterior lhes convinha fazer passar a ideia de que a força das armas estava em Santarém e que seria por isso simbólica a sua marcha para Lisboa. Mas internamente, no movimento, sabia-se que isso podia ser um mito, pois o grosso das munições estava no paiol de Santa Margarida, dificultando por isso o deslocamento da coluna. Não era possível sem preparação atempada mobilizar em segredo esse potencial. Além disso, uma parte do material estava inoperacional, já que o movimento deliberadamente ocultava às chefias o estado real do dito.

A entrevista alonga-se depois pela marcha para Lisboa em direção ao Terreiro do Paço e só depois de estabilizada essa posição, controlado o Banco de Portugal e a então Marconi (comunicações) se daria o deslocamento para o Largo do Carmo. O conjunto de preciosidades de acontecimentos que Salgueiro Maia documenta durante essa movimentação é verdadeiramente notável. Gostei sobretudo do relato que ele faz do telefonema de felicitações que recebeu da equipa do ministro da Guerra pela eficiência e rapidez com que as forças e veículos militares foram estacionados no Terreiro do Paço. A equipa militar do Ministro imaginava que as forças de Salgueiro Maia tinham vindo para abortar e não comandar a sublevação. Diz Salgueiro Maia que todos sabiam em que local aparcar as viaturas e daí a operação ter parecido um monumento de eficiência e planeamento militar. Pelo meio, há relatos impressionantes de forças intermédias que desautorizaram superiores não disparando sobre a silhueta de Salgueiro Maia, demonstrando à evidência que o golpe não era da alta hierarquia.

O bravo capitão confessa ter ficado surpreendido pela força e magnitude da adesão popular, circunstância que ajudou a disfarçar as condições militares muito difíceis em que a operação se concretizou. Essas condições explicam que em todos os obstáculos encontrados até ao Terreiro do Paço Salgueiro Maia tenha optado pela persuasão e diálogo e não pelo confronto direto. Com o pormenor delicioso de que quando as colunas passaram em frente ao Monumental uma grande força da Polícia de Intervenção ter visto a coluna passar e ter concluído que o melhor e por precaução era não se intrometerem, os tempos eram já outros.

Recomendo por tudo isto a audição desta entrevista. A jovialidade e convicção do bravo Capitão é a evidência definitiva para compreender o que foi efetivamente o 25 de abril e sobretudo o êxito da operação militar que o levou até ao fim.

Não se arrependerão.

Recordo o link: https://antena2.rtp.pt/em-antena/diversos-especiais/entrevista-a-salgueiro-maia-23-e-24-abril-18h00/

 

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