(Bem sei que a rua não representa um indicador seguro da participação cívica e da cidadania em geral. Mas também sei que a rua foi fundamental na sustentação do próprio golpe dos Capitães de Abril, tornando-o irreversível e contribuindo decisivamente para a baixíssima resistência que ele provocou nas hierarquias do poder político e militar. Recordo-me também da grande manifestação contra a TROIKA e do seu profundo significado. Por isso, tendo estado no desfile e manifestações do Porto e sobretudo contemplando a força impressionante do que se passou na Avenida da Liberdade e Restauradores em Lisboa concluo que o 25 de abril deste ano levou a peito os 50 anos e nos mostrou que temos gente para defender a democracia e valorizar o seu legado. Isso não significa desistir de realizações que a Democracia prometeu e ainda não conseguiu cumprir, abdicar do espírito crítico e mais do que nunca distinguir entre o assessório e o essencial. O desfile do Porto, iniciado no que eu costumo designar de distrito artístico e alternativo da Cidade que aprecio bastante dado serem também as atmosferas em que os meus netos do Porto vivem, foi muito diversificado, embora com a presença significativa de tudo o que é organização com o espírito de PCP. O que não é crime nenhum, até porque essa presença não impediu a presença na manifestação de outros movimentos e outras formas de criatividade, com gente e grupos mais alternativos, em linha de coerência com o que o 25 de abril provocou na sociedade portuguesa, a sua libertação de todas as amarras e condicionamentos de expressão…)
Talvez esperasse mais animação na Avenida dos Aliados. O ambiente que esperava a chegada do desfile com a sua dimensão e diversidade não era propriamente dos mais animados e o que se passava no palco com os Caruma não era propriamente um grande convite à explosão de alegria.
Por isso, não tenho dúvidas de que o grande significado de participação popular esteve na esmagadora dimensão da descida da Avenida da Liberdade em Lisboa, provavelmente uma das grandes manifestações de rua da democracia portuguesa, talvez com a exceção do primeiro 1º de Maio em democracia. Recordo-me como se fosse hoje do ruído ambiente que se ouvia no quartel do Lumiar em Lisboa, onde por questões de serviço estive encerrado nesse dia, a uma distância considerável. Pressentia-se a partir do interior do quartel a força daquela manifestação e a transbordante alegria que circulava pelas ruas, onde tudo era ainda muito fácil e onde a conflitualidade ideológica sucumbia face à força da libertação.
Não tenho quaisquer dúvidas de que toda a gente interessada na valorização e defesa da democracia compreendeu bem o contexto de ameaça que vivemos e respondeu com um SIM inequívoco à participação. A sondagem publicada na última edição do Expresso era claríssima quanto ao significado que os portugueses em geral atribuem ao 25 de abril de 1974 e por mais que os Núncios deste país se esforcem por colocar o 25 de novembro no mesmo plano do 25 de Abril, as pessoas sabem que o primeiro foi crucial e o segundo ajudou apenas a repor as coisas da democracia nos seus eixos. A propósito tem-se falado muito e com justiça de Eanes, mas muito pouco de Melo Antunes e como precisávamos hoje da clarividência deste último.
As grandes manifestações de ontem são também a demonstração de que os portugueses sabem que é artificial a tentativa de normalização do que foi o Estado Novo. Se acreditassem nessa normalização e na desculpabilização do regime, não estariam seguramente tão convictos da necessidade de preservar a memória do que nos permitiu a libertação desse estado de coisas.
Por isso, saio revigorado do dia de ontem.
Temos gente para defender o essencial – a preservação da democracia – e encontrar as formas mais inteligentes para combater a anormalidade de 50 personagens dissonantes no Parlamento.
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