(Este é um dos meus temas de reflexão preferidos e algo paradoxalmente já há algum tempo que não passava por este blogue. Entretanto, um post do sempre perspicaz Noah Smith, “Twilight of the economists?”, recentra-me de novo o tema e aqui está a esperada reflexão sobre o mesmo. A ideia da perda de poder dos economistas em geral há muito que perdeu importância, pois a diversidade da profissão e da produção científica identificada com a economia é tal que se torna impossível qualquer generalização. Entretanto, também, deixámos de estar atentos e até contar a percentagem dos membros dos sucessivos governos que podem ser apontados como economistas, em compita com os provenientes da área do Direito ou das ciências da vida ou das engenharias. Também aí o tema se exauriu um pouco. Por isso, no meu radar de reflexão não é tanto a perda de poder e/ou influência dos economistas em geral que me interessa, aliás sou economista nem eu sei bem porquê, mas antes a dos macroeconomistas em geral, ou seja, dos que não alinham por uma formação de natureza microeconómica e antes se debruçam sobre aspetos mais globais das economias, seja dos aspetos macro propriamente ditos, seja dos que tratam temas com eles relacionados, como o crescimento e o desenvolvimento. Embora a análise deste tema exija que tenhamos em conta os diferentes conceitos de poder, podemos definir à falta de melhor o poder dos macroeconomistas como a sua capacidade de fazer aplicar as suas ideias e propostas junto dos decisores políticos ou das instituições que concebem e implementam políticas públicas. É no âmbito desta conceção expedita de poder que deve ser compreendida a ideia hoje relativamente generalizada de que os macroeconomistas perderam poder ou influência. Obviamente, com outras conceções podemos não chegar necessariamente às mesmas conclusões.)
Neste âmbito, exemplos, como Cavaco Silva ou Mário Centeno, macroeconomistas declarados, que chegam eles próprios ao exercício do poder político, devem ser considerados exceções a uma regra cuja veracidade se pretende explicar.
A aludida perda de influência dos macroeconomistas pode ser reportada nas suas tendências mais fortes à crise de 2007-2008, seja do ponto de vista da incapacidade que a macroeconomia revelou generalizadamente de a antecipar ou pelo menos de chamar a atenção para fatores que poderiam alertar para essa possibilidade, seja também da incapacidade de compreender as razões explicativas da recuperação relativamente frágil e agónica observada depois de ter sido ultrapassada.
Esta evidência histórica pode conter uma grande injustiça para os macroeconomistas. O seu papel não é propriamente o de prever fenómenos macroeconómicos, mas antes de explicar a sua formação em contextos de grande indeterminação. E existem mesmo fenómenos como, por exemplo, o da inovação, estruturalmente indeterminada, que só podem explicados consistentemente a posteriori.
Mas do ponto de vista da relação entre os macroeconomistas e a decisão política, o utilitarismo dos primeiros para a segunda depende muito da capacidade de antecipação de fenómenos, daí que se compreenda que 2007-2008 pela gravidade dos efeitos que provocou tenha abalado a confiança pública.
Mas mesmo a tribo dos macroeconomistas não é, nem por sombras, homogénea. Existe conflitualidade entre Escolas de pensamento e, como todos nos recordamos, essa conflitualidade esteve ao rubro em dois momentos muito particulares – na explicação da recuperação agónica após 2007-2008 e na crise das dívidas soberanas a propósito do pensamento estrela que comandou as teses punitivas da austeridade. Por mais atentos que estejamos a essa necessidade, quando se analisa o problema do ponto de vista da decisão política, essa conflitualidade agrava os riscos de perda de influência – percebendo a existência de conflitualidade de posições, os atores políticos tendem por precaução a afastar-se da mesma, a não ser que por motivos de apoio ideológico se prefiram uns em detrimento de outros. Por isso, as autoridades da TROIKA tinham os seus macroeconomistas de estimação e não hesitavam onde procurar a justificação para as suas medidas impopulares.
Uma outra fonte de perda de influência é comum a outras “especialidades”. A onda populista desdenha das elites como incapazes de compreender o povo e, nessa medida, os macroeconomistas são desacreditados por serem associados a essa elite que se quer afastar do poder.
O artigo a que anteriormente aludi de Noah Smith é interessante pois vai procurar as razões para a perda de influência ou de poder dos macroeconomistas na própria maneira como aí se faz ciência. Smith é particularmente crítico da chamada macroeconomia do equilíbrio geral, ou seja das teorias de toda a economia ou da economia como um todo (“todos os mercados, todos os consumidores, todos os produtores”). O problema não se situa propriamente na tentativa de formulação de teorias ou explicações globais, mas sim à propensão para as teorias gerais se sucederem a uma velocidade desenfreada. Teorias com parâmetros muito diferentes conflituam obviamente e acabam por generalizar a conflitualidade, sem que a disciplina pare para ver quem tem razão, distinguindo entre o trigo e o joio dos parâmetros. Como Smith explica os modelos macroeconómicos deixaram de rejeitados em função dos dados que precisaram para ser validados.
A macroeconomia do equilíbrio geral transformou-se assim numa espécie de sessão de discos pedidos em que cada interessado solicita a partir de um arquivo morto o seu modelo não testado de equilíbrio geral para tentar explicar uma dada matéria.
Mas o verdadeiro problema é que nenhuma dessas teorias gerais que descansam no tal arquivo morto tem a grandeza de uma Teoria Geral como a de Keynes. E, neste campo, Smith é particularmente perspicaz: “Quando os macroeconomistas podiam invocar que tinham respostas para as questões realmente grandes, eles eram compreensivelmente vistos como sábios, mas hoje quando as pessoas sabem que eles não têm muitas dessas respostas, esse respeito está a desaparecer”.
O que parece estar então a acontecer é que a maneira de fazer ciência dos macroeconomistas não os está realmente ajudar em recuperar o seu poder e influência, antes está a desgastá-los ainda mais. E provavelmente abandonar as grandes questões, pelo menos globalmente entendidas, e aprender a desconstruí-las e validá-las com informação empírica apropriada.
A não ser que um novo Keynes nos entre pela porta dentro, mas como sabemos isso não acontece todos os dias. Alguma modéstia de investigação é necessária. E no arquivo morto talvez haja algum material que mereça ser relido.
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