(Na altura devida, emiti o meu juízo crítico sobre o que se sabia inicialmente da composição e organização do Governo de Luís Montenegro. Fi-lo no contexto do que designei então de Governo do benefício da dúvida. Globalmente o conhecimento posterior dos nomes concretos de Secretários de Estado não altera de forma decisiva aquela minha avaliação, confirmada por uma composição em que existe a relativa novidade de chamada de autarcas para assumir algumas secretarias, novidade apenas relativa pois os governos de António Costa também tinham recorrido a esse expediente que não correu lá muito bem, diga-se. Um exemplo do que afirmo é a indicação do Presidente da Câmara de Santa Maria da Feira e que já foi presidente da Área Metropolitana do Porto para secretário de Estado do Ambiente da Ministra Graça Carvalho, numa estrutura em que é ainda um mistério saber para onde foi parar o ordenamento do território (quem tutelará a DG Território?) e onde se verifica também o “desaparecimento” formal das questões da biodiversidade, esse aspeto também fulcral da transição climática. Entretanto, alguns Ministros começam a falar, suspeito que vamos ter um Governo de parlapatório fácil e é nesse contexto que elaboro o post de hoje, centrado na “grande barca” em que este Governo transformou a educação, já com algumas reações públicas, seja de crítica aberta, seja de interrogação ansiosa, seja ainda de reação corporativa não disfarçada.)
Devo dizer que não está escrito nos livros sagrados da política que os Governos, por mais precários ou robustos que sejam, estejam obrigados a manter a estrutura orgânica dos governos antecedentes. É tudo uma questão de organização, se bem que se possa imaginar que alterações muito profundas podem levar a despesas enormes de recomposição dos suportes escritos e digitais para verter a ação governativa. Nesse quadro, cabe a cada Governo analisar a relação custo-benefício dessas alterações, neste caso pomposamente inauguradas com a questão do logotipo, esse grande instrumento da ação governativa (pura ironia), que traz água no bico atendendo à fundamentação que foi apresentada por um irritantemente pausado Leitão Amaro e campo fértil para as travessuras de Ricardo Araújo Pereira.
Um dos Ministérios que compreensivelmente à luz deste contexto de reflexão suscitou mais críticas e interrogações foi o da Educação, paradoxalmente acompanhadas pela apresentação altamente laudatória de Fernando Alexandre, entendido por muito boa gente como a nata das natas do que Montenegro poderia aspirar a levar para o Governo. Não é ironia da minha parte, até porque tenho a melhor das impressões da personalidade e da consistência do seu pensamento, aliás numa trajetória já há largo tempo que se sabia estar rigorosamente preparada para um posto ministerial.
Vejamos então as razões para o alarido que suscitou a orgânica do Ministério da Educação subscrita por Fernando Alexandre.
As reações vieram sobretudo dos dois corpos (não totalmente homogéneos como terei a oportunidade de demonstrar) que têm peso na problemática da educação, o do ensino superior (claramente não homogéneo porque continua a não estar resolvida a questão do pretenso sistema binário em que navegamos (universitário e politécnico) e o do ensino básico e secundário (também não homogéneo porque também está longe de estar resolvida e consolidada a relação entre a via mais tradicional dos científico-humanísticos e a via mais recente do secundário profissionalizante e do ensino artístico especializado.
Se quisermos ser rigorosos bastaria a dimensão problemática da consolidação do que tendo a chamar de sistema de educação e formação, e sobretudo a transformação do ensino profissional em algo de irreversível, para entreter um Ministro proativo, não esquecendo de lhe juntar a absoluta necessidade de incrementar o nível de satisfação e motivação de professores e sobretudo a necessidade premente da sua reabilitação na sociedade portuguesa. Incluo nesta questão a matéria bem desenvolvida no último Relatório do Conselho Nacional de Educação sobre a necessidade de dar um rumo diferente aos quinto e sexto ano da escolaridade obrigatória.
A escolha do secretário de Estado da Educação é boa e defenderá o ministro. Podem discutir-se as suas convicções, mas a sua competência na área é manifesta.
Olhando para a orgânica do Ministério liderado por Fernando Alexandre, conclui-se que a opção anterior seria uma barca demasiado pequena para os desejos de navegação à vista ou mais direcionada do Ministro.
Assim, com direito a secretária de Estado dedicada, o Ministério assume a ciência e algo misteriosamente na designação do Ministério temos Educação, Ciência e Inovação. A perninha da inovação é altamente misteriosa. Podemos interpretá-la de várias maneiras.
Uma das interpretações possíveis é o facto de Fernando Alexandre querer deixar uma mensagem de contexto à ciência portuguesa. O Ministério tutela a ciência e estima-se, por isso, que a secretária de Estado Ana Paiva tutelará a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), mas com a advertência de que para o Ministério a ciência não poderá ser desligada da inovação, impondo-lhe uma lógica de translação do conhecimento para as empresas, pois não há Caros Professores, inovação sem empresas. Estimo que por esta via o Ministro e a sua secretária de Estado herdarão toda a controvérsia colocada a Elvira Fortunato sobre a pretensa desvalorização do financiamento à ciência básica.
Uma outra interpretação possível é Fernando Alexandre querer deixar uma mensagem ao seu colega de Governo, o bonacheirão (ainda não vida nada mais do que isso nesta personagem) Pedro Reis, ministro da Economia. Em palavras muito concretas, Fernando Alexandre diria: caro Pedro, lá por teres sob a tua tutela os instrumentos de política de inovação não te esqueças que essas políticas valorizam bastante a translação do conhecimento a partir da ciência e essa é tutelada pelo meu ministério. Imagino que assistindo ironicamente a esta conversa, o ministro Castro Almeida dirá: meus caros, não se esqueçam que a vossa política de inovação é essencialmente financiada por Fundos Estruturais Europeus e esses estão sob a minha alçada. Entendidos?
Ou seja, apenas pelo lado da ciência, Fernando Alexandre irá perder rapidamente aquele ar de ministro ágil e bem-humorado.
Entretanto, os Senhores Reitores, algo mais ruidosamente do que os Presidentes dos Politécnicos, bradaram aos céus pelo facto da realidade do ensino superior ter caído da organização do Ministério e não ter um secretário de Estado dedicado. Mais do que o alarido dos Reitores, interessa-me sobretudo analisar criticamente a resposta do próprio Ministro. Reivindicando por outras palavras que nem só os homens das ciências da vida ou das engenharias percebem de ensino superior, ele como doutorado em Economia veio a terreiro afirmar que conhece bem o sistema, que tem acompanhado proactivamente os regulamentos da função docente e que para ele a consolidação e maturação do sistema de ensino superior é uma realidade e que de uma vez por todas a chamada autonomia universitária não pode ser palavra mole ou simples flor de de estilo. Por outras palavras, ele assume o tema do ensino superior e as universidades e politécnicos que façam pela sua vida no terreno da autonomia, solicitando os recursos em linha com essa proatividade.
Teremos Homem, ou seja, teremos Ministro?
Gostaria de ser adivinho e estar na cabeça do Professor Pedro Teixeira e ex-secretário de Estado do Ensino Superior para compreender o seu cálculo político e a sua apreciação desta resposta desempoeirada do agora Ministro da Educação, Ciência e Inovação.
Imagino, entretanto, que os Senhores Reitores estarão agora preocupados com a mais do que possível redução do tempo de audição que a atual orgânica lhes concederá. Falar com o Ministro será agora mais difícil do que quando tinham um secretário de Estado dedicado ao ensino superior. Na alternativa, terão que falar com um funcionário qualquer, provavelmente sem poder de decisão algum. Tenho dúvidas que os Senhores Reitores estejam para aí muito virados a responder com brio ao repto do Ministro, cavalguem e trabalhem a vossa Autonomia.
Veremos se Fernando Alexandre terá tempo e oportunidade suficientes para demonstrar com clareza ao que vem e o que o move.
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