sexta-feira, 5 de abril de 2024

O QUE É FEITO DA ESPAÑA VACIADA?

 

(O jornalista Juan Navarro escreveu no El País, a partir de Valladolid, uma bela peça sobre o ponto de situação ou estado da arte, como preferirem, do movimento España Vaciada que, há cerca de cinco anos, emergiu na cena política espanhola, chegando ao Congresso de Deputados em Madrid com um representante da plataforma TERUEL EXISTE. Teruel, em Aragão profundo, terra por onde passou Goya e tive a oportunidade lá bem atrás de avaliar in loco um projeto de cooperação europeia que tinha precisamente as oficinas e a obra de Goya como inspiração, representava bem o grito e a procura de uma VOZ de notoriedade de toda a Espanha interior, e quão diversa ela é. Cinco anos depois e já sem o palco do Parlamento em Madrid, o movimento esfriou de entusiasmo, não desapareceu, é certo, e está agora limitado a presenças mais ou menos residuais em parlamentos regionais, as cortes de Aragão, e alguns ayuntamientos. A sua representação mais significativa situa-se hoje em Castilla y León, através do movimento SORIA YA, um dos mais antigos e estruturados movimentos de defesa dos territórios despovoados, com objetos de intervenção local tão importantes para as populações que resistem como um serviço de correios ou uma simples taberna, onde os velhos residentes jogam cartas ou dominó, comem um pincho para entreter o estômago e beber um copo. Juan Navarro refere que o declínio do movimento se reforçou em 2023: “A España Vaciada concorreu em 233 municípios, 50 entidades menores, 13 províncias e quatro regiões (Astúrias, Aragón, La Rioja e Castilla-La Mancha). Em nenhum destes locais obteve resultados significativos ou importantes para entrar em governos locais ou autonómicos além de alguns municípios pontuais”.)

Esta matéria está há já algum tempo na minha agenda de reflexão. Entendo que em Espanha e também em Portugal o conceito de interior ou de interioridade não me parece representar as “lentes” mais adequadas para compreender e intervir sobre o fenómeno do despovoamento de muitos territórios. A realidade é mais matizada, com outros paradigmas a suscitar a minha atenção, por exemplo o do mosaico, tão caro a investigadores como o Amigo e incontornável João Ferrão. Mas o problema da representação destes territórios tem de ser acautelado no processo de defesa e modernização da democracia portuguesa, sobretudo quando percebemos que o número de deputados alocados a territórios como Bragança ou Beja, por exemplo, é bastante residual, convidando a outras formas de representação política. Por exemplo, não tenho hoje ainda bem assimilado quanto dessa representação terá cabido ao voto Chega e essa magnitude bastaria para compreender que a dimensão territorial dos “left behind” à portuguesa não pode ser ignorada.

Personalidades com peso político e mediático como Miguel Cadilhe, Jorge Coelho e Álvaro Amaro envolveram-se no Movimento pelo Interior, creio que em 2018, com ecos ainda em 2022, com a iniciativa de publicação de uma espécie de manifesto, que pretendia então chegar à Assembleia da República e chamar a atenção dos legisladores e deputados para a necessidade de intervenção na matéria. O movimento não passou praticamente do papel, embora possamos encontrar alguma relação remota com o Programa Valorização do Interior que Ana Abrunhosa no governo PS protagonizou, o qual aguarda avaliação independente[1].

Tomei conhecimento há dias que o Círculo de Estudos do Centralismo (sede em Miranda do Douro) e do qual Miguel Cadilhe é também um dos animadores, com presidência de Sebastião Feyo de Azevedo, antigo diretor da FEUP e Reitor da Universidade do Porto, está a desenvolver esforços no sentido de ser depositário dos materiais do referido Movimento, tentando assim que ele não se perca no esquecimento.

O problema da representação destes territórios constitui de facto um desafio que a coesão territorial nos coloca e sabemos que a sua forte correlação com a incidência espacial do declínio demográfico reduz bastante a possibilidade do sistema eleitoral assegurar resposta para o mesmo. A Plataforma TERUEL EXISTE chegou ao Congresso dos Deputados, teve até alguma influência no apoio à legislatura de Sánchez num contexto de forte polarização. As forças reacionárias do VOX e as mais conservadoras do PP não lhe perdoaram esse desplante, o que mostra que representações política de um problema como o esvaziamento demográfico, sem uma inscrição ideológica bem definida, que não seja apenas a de um conjunto de preocupações de justiça espacial, dificilmente constituirá saída airosa e com futuro.

Além disso, parece-me que do ponto de vista da representação local e sub-regional a defesa de políticas mais consistentes sobre o esvaziamento exigiria uma menor atomização de projetos locais, ou seja, cooperação acrescida entre municípios e comunidades intermunicipais. Em trabalhos de índole mais profissional, tenho tentado passar a ideia de que os municípios interiores de NUTS III como o Alto Minho, o Cávado, o Ave e o Tâmega e Sousa deveriam promover formas mais aprofundadas de cooperação, exigindo neste caso que as respetivas comunidades intermunicipais olhem com mais atenção para os seus próprios territórios mais interiores, mas que não se isolem e trabalhem domínios de cooperação entre eles. Mas devo reconhecer que a repercussão desta minha ideia tem sido muito débil.

Certamente que os movimentos de personalidades com notoriedade política e mediática serão complementos importantes, sobretudo se corresponderem a um inequívoco capital de afetividade para com esses territórios, ao qual pode juntar-se a projeção de algumas diásporas. Capital de afetividade sim, simples oportunidades para campanhas pessoais e de ascensão política não, obrigado.

Por tudo isto, valerá a pena continuar a acompanhar o laboratório da España Vaciada.



[1] Devo referir que participei num concurso público para essa avaliação, na qualidade de coordenador principal, aguardando neste momento que os resultados desse concurso sejam publicados.

 

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