sexta-feira, 19 de abril de 2024

A IMPOSSIBILIDADE DE CONCERTAÇÃO ENTRE PARTES QUE NÃO TÊM CONSERTO

 

(Apesar de todos os apelos à contenção no Médio Oriente, com os principais países potencialmente envolvidos a recomendar a Israel que se abstenha de retaliar contra o falhado ataque do Irão, acomodado pelo sofisticado sistema de segurança antiaérea de Israel e pela intervenção de países como os EUA, o Reino Unido, a França e a Jordânia, Israel não se conteve. Os jornais de hoje dão notícia de um ataque circunscrito a uma base militar perto da cidade de Isfahan, a que se atribui a função de acolher infraestruturas nucleares. Significa isto que o mundo continua expectante e por um fio, dependente da contenção de gente bastante incontida, isto se olharmos para o passado próximo. Dizer que o Médio Oriente se transformou em massa combustível já se assemelha à história de que vem aí o Lobo, pois falamos de massa combustível já há tempos idos e ninguém tem conseguido estabelecer um horizonte com alguma estabilidade de posições. Inspirado por um artigo do colunista Thomas L. Friedman, sim esse que é autor do célebre no passado O Mundo é Plano, uma das maiores glorificações da globalização, hoje a necessitar de reparação urgente, dei comigo a pensar que se pensarmos na situação atual dos players Israel, Irão e Autoridade Palestiniana, temos um mundo regional de concertação impossível, pois as partes em confronto precisam de conserto. E não se trata apenas de jogar com os ss ou com os cc para dar graça a uma crónica.)

De facto, se pensarmos bem, e já não ouso estimar o que tenderá a passar-se com um eventual regresso de Trump à Casa Branca, as esperanças de concertação naquele contexto regional são fortemente constrangidas, senão mesmo obstaculizadas, pelos atores em confronto.

Senão vejamos.

Em Israel, governam forças políticas que não hesitam em promover a instabilidade mundial para salvar o coiro. O comportamento ético-político de Netanyahu para se aguentar no poder e eximir-se aos desenvolvimentos judiciais em que é acusado constitui ele próprio um elemento permanente de imprevisibilidade e de perturbação constante, jogando com uma situação que ele conhece como ninguém. O nacionalismo de Israel quando ameaçado e atacado é capaz de tudo aguentar, incluindo a governação de alguém que maioritariamente a sociedade israelita mais esclarecida detesta e gostaria de ver pelas costas. Ou seja, a primeira das partes a exigir conserto, neste caso substituição, até agora não possível.

Por sua vez, no Irão, embora se vão sucedendo as personagens do regime teocrático, cada qual a melhor e menos entusiasmante, por muita compreensão que tenhamos com uma Nação cujo potencial milenário de desenvolvimento é bloqueado por questões de fanatismo religioso, o teocratismo nunca poderá ser uma parte razoável no esforço de concertação. Estou em crer que as aproximações da Arábia Saudita e de outros recantos sunitas a Israel e aos EUA fizeram tocar os sinos no fanatismo religioso do Irão. Embora se perceba que não está particularmente interessado numa escalada do conflito e tenha partido para o disparo de nuvens de drones e de mísseis apontados a Israel com a maior das cautelas, não será difícil estimar que enquanto o regime teocrático subjugar a criatividade e a modernização da sociedade iraniana dificilmente a concertação regional será uma realidade.

Mas há um terceiro vértice deste triângulo que aponta à Autoridade Palestiniana. Não foi por acaso que em Gaza e progressivamente na Cijordânia a influência do Hamas foi suplantando a da Autoridade Palestiniana. E isso aconteceu na sequência dos níveis generalizados de corrupção que atravessaram a organização, corroendo-a por dentro e retirando-lhe credibilidade para se opor ao predomínio radical do Hamas. De facto, só uma Autoridade Palestiniana revigorada e totalmente renovada poderia aspirar a um propósito de isolamento do Hamas e de diminuição da sua influência numa população cada vez mais martirizada (daí o aspeto simbólico da imagem que escolhi para abrir este post, mobilizada a partir do New York Times e do próprio artigo de Friedman.

Como anteriormente referi, não quero imaginar o que poderia representar um cenário de regresso de Trump à Casa Branca. Nesse caso, teríamos também que o possível supervisor de uma concertação precisaria ele próprio de conserto.

Deixo para outras oportunidades, alguma reflexão sobre o mundo das Arábias (sauditas e outros países como o Catar e Emiratos). Tenho menos informação sobre esse outro mundo do conflito regional. Limito-me a interpretar que todos os esforços desenvolvidos por esses países, designadamente de forte investimento em tido que é evento desportivo (futebol, ténis, golfe e outros) deverá querer significar alguma coisa.

Mas, em resumo, direi que tudo aquilo que necessita de conserto dificilmente será solução ativa para uma concertação. É este o mundo que temos e que teremos no futuro próximo.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário