(Exemplo da vasta documentação existente sobre o modelo social europeu)
(Europeísta convicto, mas cético quanto aos rumos que, por vezes, alguns diretórios europeus imprimem ao projeto europeu, frágil e vulnerável aos inúmeros Cavalos de Troia que se perfilam no seu interior, costumo sentir uma enorme deceção quanto ao real impacto das eleições europeias em termos de progressão das ideias para uma União mais coerente. Bem sei que para muita gente a questão europeia é ainda uma abstração e que o olhar das realidades nacionais continua a ser o critério segundo o qual os cidadãos prospetivam o seu lugar na Europa. Obviamente que não sou ingénuo ao ponto de ignorar a espessura das realidades nacionais, tanto mais que a palavra coesão é ainda uma miragem e que o desenvolvimento desigual existente e em alguns casos reforçado não pode ser ignorado. Mas tal como nas questões regionais e locais defendo que temos direito a uma perspetiva dos desafios nacionais vistos à luz da nossa vivência concreta no território, por mais longínquo que ele seja, também coerentemente defendo que nós portugueses temos o direito e o dever de a partir da nossa realidade construirmos a nossa própria perspetiva da construção da União. Esta perspetiva não se confunde de modo algum com o vício e a deriva de utilizar as eleições europeias como peça exclusiva de combate polítiqueiro nacional. Penso que nesse sentido a escolha dos candidatos a um lugar no Parlamento Europeu deveria constituir a prova inicial de força no cumprimento desse objetivo. Deveríamos, assim, escolher gente que nos dê confiança de que terão uma presença ativa em Bruxelas e Estrasburgo. Ora, à luz desse critério, PS e PSD deveriam ter uma outra ambição na escolha dos seus candidatos, a começar pela separação rigorosa do quem foi candidato à Assembleia da República e quem o será ao Parlamento Europeu. À luz desse critério, por exemplo, a escolha do PS é enganosa e em nada beneficia a confiança democrática nas escolhas políticas. É neste sentido que iniciarei a partir de hoje uma espécie de nova sub-secção deste blogue, dedicado a temas que na minha perspetiva deveriam animar o debate das Europeias. Para isso, irei em busca de contributos de pensamento que valha a pena aqui coligir.)
Estou certo que a tribuna do Social Europe poderá ajudar-me nesta tarefa. É um espaço progressista que aposta na perspetiva crítica da União Europeia à luz de valores e causas que simultaneamente a projetem no mundo e renovem o seu modelo social, que continua a ser o seu principal fator de diferenciação no mundo.
O artigo que o Professor Jan Zielonka (Universidades de Veneza e Oxford) inicia do meu ponto de vista essa série, colocando-se numa perspetiva que relaciona o potencial da Europa com a desorientação e o descontrolo que grassam pelo mundo. Como se precisássemos de um abrigo consistente face a essas perturbações, as propostas de reforma das instituições europeias inscrevem-se nessa procura de um porto seguro.
A perturbação mundial que marca o contexto é caracterizada por Zielonka como uma situação em que se perdeu o controlo dos processos que a exacerbaram. A enorme polarização que hoje divide ferozmente as forças políticas democráticas, mais à esquerda ou mais à direita, e as forças que cavalgam o populismo, por vezes para lá dos limites da tolerância democrática, determina a impossibilidade prática de avançar com intervenções políticas que suscitem o apoio popular generalizado.
O confronto entre os modelos autocráticos e autoritários que pululam pelo mundo e a democracia é uma luta arriscada principalmente se a governação democrática continuar a padecer de falhas intrínsecas. Não custa muito admitir que no centro das falhas de governação democrática se encontra a incapacidade até agora revelada de combater de raiz as causas da referida polarização. Por isso, Zielonka propõe novos pactos de governação, novos contratos sociais ajustados aos tempos de perturbação que vivemos: “A governação democrática não pode ser feita apenas para as pessoas, tem de ser também concretizada pelas pessoas”.
Pode questionar-se que novo contrato social precisa a Europa? Esta é das tais questões em que uma abordagem abstrata e desinserida das realidades nacionais de avanço do modelo social europeu não conduzirá a nada de frutífero, senão mesmo podendo conduzir a Europa a um beco sem saída. Em estudo (THE EUROPEAN SOCIAL MODEL IN CRISIS) em que tive oportunidade de participar para a Organização Internacional do Trabalho (OIT, Genève) sobre a crise do modelo social europeu, foi fácil aperceber-me da extrema heterogeneidade dos avanços do modelo social na União. Por isso, a procura de um novo contrato social europeu capaz de ganhar de novo a confiança dos eleitores nesse projeto exige um debate fortemente participado entre todas as realidades do modelo social europeu. Conduzi-lo em abstrato e ignorando os pontos de partida e os diferentes graus de insatisfação para com as suas realizações geraria mais desconfiança e não a confiança pretendida.
Sabemos que no plano da comparação das realizações mais avançadas do modelo com outras realidades nacionais, designadamente a dos EUA, ela é francamente favorável à Europa. Em estudo recente do IMK - Hans Böckler Stiftung, a comparação entre o modelo alemão e americano é francamente favorável ao primeiro, reportado a 2022: “não ponderando as diferentes dimensões, a Alemanha é bastante forte relativamente em cinco áreas: ambiente, equilíbrio entre trabalho e condições de vida, saúde, segurança e género, enquanto os EUA são superiores em matéria de rendimentos das famílias e consumo per capita.”
O problema é que a Alemanha não reproduz a situação europeia, podendo quando muito ser entendida como um caminho possível e mesmo assim teríamos de a comparar com o modelo social escandinavo.
Mas uma coisa é certa. Aqui está uma questão que deveria animar todas as eleições europeias nos diferentes países: como construir um novo contrato social na União Europeia? A diversidade dos contextos eleitorais estaria assegurada, mas ao serviço de uma questão mais ampla, a da defesa do projeto europeu e a da reconstrução do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.
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