Por muito que o meu amigo António Figueiredo não aprecie efemérides, o que compreendo perfeitamente embora nem sempre o pratique, sendo também certo que a exploração das mesmas vai dando sinais evidentes de requentamento e de capitulação perante as imposições da crescente ditadura do imediato e do superficial, a verdade é que o 25 de abril não é uma efeméride qualquer (to say the least, obviamente e com a devida e sentida vénia). Daí que, mesmo não divagando demasiado em torno do tema, não possa deixar de assinalar a data, ademais no momento do cinquentenário que ocorre.
A imagem que escolhi, para fugir à mais desgastada (embora por vezes belíssima) utilização do motivo dos cravos vermelhos, vem do “El País” de hoje e de uma crónica alusiva em que se sustenta a ideia da necessidade de defender as conquistas associadas à data mas também de celebrar a significância intrínseca da mesma. E não faltarão razões bastantes para celebrar, da liberdade à descolonização (e correspondente fim da guerra colonial) ou dos resultados da dinâmica social vivida às evidências (you name it!) do País mais aberto, mais diverso e mais feliz que notoriamente somos.
Numa lógica mais pessoal, e recorrendo à sacrossanta pergunta que Baptista Bastos imortalizou (“onde é que você estava no 25 de abril de 74?”), direi apenas que nesse dia me preparava para assistir a uma aula na Faculdade de Economia (onde frequentava o 4º ano da licenciatura) e que rapidamente mudei de rota para avaliar a situação junto de amigas e amigos num café ali para as bandas da rua 5 de outubro. Os tempos de então eram gloriosos pelo lado da juventude que exibíamos mas não menos traumáticos pela ameaça do serviço militar que se nos deparava (com a guerra de África no horizonte) e pelo repressivo fechamento da sociedade que se nos tornava cada vez mais insuportável. À noite, em família, vi na televisão a proclamação da Junta de Salvação Nacional e procuramos interpretar em conjunto, embora de formas nem sempre suficientemente informadas, o alcance do que estava a acontecer. Seguiram-se cinco dias explosivos, incluindo aquele em que a nossa turma boicotou uma aula de Economia da Empresa, os quais culminaram num inesquecível 1º de maio em que o povo do Porto saiu à rua com uma irrestrita alegria.
Termino com um obrigatório apontamento de atualidade. Apenas para sublinhar quão deploráveis são as marcas que deste dia de 2024 ficarão na nossa memória coletiva. Um Presidente da República tolhido perante as tonitruantes acusações dos extremistas do “Chega”, um Governo a misturar alhos com bugalhos (não falo aqui do Sebastião, mas sim de uma forçada igualização entre o 25 de novembro e o 25 de abril, só diminuidora de uma e outra data) e intervenções políticas medíocres ou sem chama estratégica de qualquer espécie, tudo no quadro de uma situação política instável e com tendência para piorar, de umas eleições europeias à beira de se poderem saldar por uma vitória dos eurocéticos, de uma sociedade civil autocentrada e anémica e portanto incapaz de se constituir numa alavanca de reação desenvolvimentista, de indicadores económicos e de bem-estar reveladores de um incompreensível torpor e de uma Justiça que insiste em fazer perigar o Estado de direito democrático. Cinquenta anos passados, toda uma agenda por trabalhar!
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