(O segundo governo de António Costa tem em meu entender grossas culpas no cartório pela rápida erosão da maioria absoluta que o suportava. Isto não significa que não devamos reconhecer que a demissão de Costa e a sua queda tenham sido devidas à incompetência ou algo mais do Ministério Público, atiçando um fogo tudo indica desnecessário. Sempre achei que mais do que perder tempo com os inúmeros casos e casinhos em que o Governo desleixadamente se deixou envolver e manietar interessava sobretudo criticar bem fundo aspetos de natureza estrutural da governação. Entre esses aspetos de incidência mais estrutural, um dos que mais atraiu a minha análise crítica foi a evidente contradição e desconcerto entre a retórica do discurso político sobre a imigração e a prática da sua concretização. Sem questionar o direito que assistia à maioria absoluta de querer encontrar uma saída para o problema delicado do SEF, avolumado ainda em tempos do ex-Ministro Cabrita, sempre achei que seria uma crónica anunciada de desatino preparar no joelho a criação de uma nova instituição, precisamente no furacão da intensificação dos processos de imigração em Portugal. Apanhada em contramão numa candidatura ao Parlamento Europeu depois de ter um assento na Assembleia da República, Ana Catarina Mendes acusou o toque e surge hoje no Público a justificar-se invocando sobretudo a questão do tempo (“AIMA. Dar tempo ao tempo”) para se defender do coro de críticas que a problemática instalação da AIMA tem suscitado. Em meu entender, o desatino não tem que ver com o curto tempo de instalação da nova instituição. Mas ACM parece querer dizer que afinal o que são seis meses na vida de uma promissora nova instituição. É a esta questão que dedico o post de hoje.)
Nas condições de declínio demográfico progressivo em que a sociedade portuguesa se encontra, podemos com segurança antever que, pelo menos em três décadas até que um ressurgimento da taxa de fertilidade possa começar a mitigar esse declínio, a imigração tem de ser entendida como um fenómeno de dinamismo que o crescimento natural da população já não consegue assegurar praticamente em todo o território nacional. Por isso, costumo associar à palavra imigração três verbos, cada qual o de mais difícil concretização: atrair, acolher e integrar.
A dimensão atrair é sobretudo influenciada pela penalização que a imagem global de país traz a este tema. Várias contradições existem nesta dimensão. Portugal tem uma imagem global positiva como destino de reformas mais ou menos douradas ou, pelo menos, de montante compatível com as condições de vida em Portugal. Ainda este fim de semana os jornais mencionavam a atração recente que o território continental tem suscitado junto de casais americanos para sua instalação após a sua retirada do mercado de trabalho. O imobiliário de topo agradece, mesmo sem vistos gold. Mas uma coisa é a imagem global para reformados estrangeiros com boas condições materiais de vida e seduzidos pela segurança existente, outra coisa bem diferente é a imagem para se iniciar uma vida ativa de raiz. Nesta dimensão, a imagem global de país é ainda penalizadora e o melhor indicador é a utilização de Portugal para chegar a outros destinos como a Alemanha. Quer isto significar que a atração de novos residentes a partir do estrangeiro tem de ser necessariamente segmentada. Não há uma política de atração de imigrantes em geral, mas antes uma política para segmentos específicos. Os reformados com boas condições de vida ajudarão por certo muitas comunidades a manter um nível mínimo de energia humana, mas o segmento da população ativa é seguramente o que precisamos para viabilizar o tal dinamismo que o crescimento natural já não permite.
A ação da AIMA inscreve-se, porém, dominantemente, na dimensão do acolhimento da imigração. Um bom e eficaz acolhimento é uma condição necessária, embora não suficiente, para uma boa integração. Criar uma nova instituição como a AIMA no meio de um furacão de chegada ao país de imigrantes não é propriamente uma medida inteligente e sobretudo tendo em conta que a experiência do SEF dos últimos tempos tinha sido traumática e lesiva da imagem global do país. A justificação de ACM acusa este toque e refere amplamente esta transição difícil para clamar que é injusta a acusação que saiu das declarações do Presidente da República de inépcia política. Ora, é precisamente por essa transição difícil poder ter sido facilmente antecipável que a posição de ACM é ingénua, apesar de vir junta a uma posição de princípio com a qual não poderia estar mais de acordo: “A criação da AIMA é a declinação prática de uma visão do mundo: quem emigra ou pretende emigrar não pode ser visto como um suspeito, como um caso de política, mas como um cidadão estrangeiro”.
Parece que ACM não conhece a nossa burocracia administrativa. Tendo em consta a sua inscrição generalizada em todos os estádios do processo de decisão, seis meses são de facto um tempo bastante curto. Mas são também uma eternidade para quem vive na prática os desafios do acolhimento. ACM devia saber, melhor do que ninguém, que quanto mais demoradas forem os processos e etapas da legalização mais vulnerável ficará essa população aos esquemas mais ou menos mafiosos que condicionam a sua vinda e instalação.
Como será de prever, a nova tutela política sobre a AIMA protagonizada por Leitão Amaro é combustível fértil para lançar a nova instituição nos meandros da luta política mais ignóbil. Mas ACM deveria saber que nos tempos que vivemos a retórica política dos bons princípios em matéria de acolhimento de imigração não chega e não se basta a si própria. Não se arranca para uma transformação institucional como a que está implícita na criação da AIMA sem que esteja assegurada um conjunto inicial de realizações e de condições criadas. Esperar que por magia a burocracia endémica se dissolva se não é inépcia é pelo menos ingenuidade política. E ACM não é propriamente uma neófita. Esperava mais robustez.
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