quarta-feira, 24 de abril de 2024

O BUGALHO QUE VÁ …

 


(A comunicação social portuguesa, particularmente o comentário político nas televisões, está cheia de derivas cuja perversidade antidemocrática o público em geral só compreende quando são retroativamente interpretadas à luz de acontecimentos posteriores. Nos últimos anos, temos assistido, direi impávidos e serenos, a uma onda enviesada de comentário político que apostou tudo na desmontagem da maioria absoluta de António Costa. Verdade se diga que as peripécias de diferente recorte criadas pelo próprio Governo facilitaram a vida a essa onda desequilibrada para a direita. Não exagero quando referi que designadamente a esquerda assistiu impávida e serena à consolidação dessa onda, inebriada por algumas migalhas de comentário que lhe foram reservadas. Claro que há figuras mais escabrosas do que outras, mas basta pensar na reedição das Conversas em Família dos domingos à noite a cargo de Marques Mendes e Paulo Portas, sem contraditório, pois os pivots de ocasião são mais partenaires de faena do que um esboço de contraditório. Dir-me-ão os mais céticos e dou-lhes razão que a opção de António Costa pelo universo da ou próximo da CMTV vai ajudar à pirotecnia desta festa, eu que tenho algum ódio de estimação aquele universo pasquim.  Tudo isto a propósito da audaciosa escolha de Sebastião Bugalho por Luís Montenegro, cada qual sabe as linhas com que se cose, mesmo os mais deslumbrados, ver último post do meu colega de espaço. Para não dizerem que estou na má-língua, chamo a atenção para que, em 4 de novembro de 2021 (link aqui) dediquei uma crónica específica ao dito personagem, destacando a qualidade de uma crónica que ele assinou no Diário de Notícias e sim continuo a ler o jornal da capital, como alguns lhe chamam. Não está obviamente em causa a qualidade ou talento do jornalista ou personagem com cara de quem acaba de ir à comunhão solene. O que está em causa é o precedente de descrédito que a transumância do comentário para a luta política pode representar para ambas e, sinceramente, não sei qual será a mais nociva para o estado da democracia em que navegamos por estes dias.)

Desculpem o desabafo, mas já me tinha percebido que, como se dizia no meu tempo de brincar na rua, vale tudo menos tirar olhos na viciação política a que assistimos. Ora o comentário político é objetivamente campo de estratégias de valorização pessoal e com a vantagem de ser paga, ora arriscamos a dizer que é encomenda política com lacinho na embalagem. O jornalismo económico infelizmente começou cedo a traçar esta trajetória e rapidamente o comentário político veio fazer-lhe companhia. Talvez com a exceção do Princípio da Incerteza, antes Quadratura do Círculo, em que os papéis e interesses dos intervenientes estão bem definidos e, por conseguinte, facilitando a contextualização do que aí é dito, no restante universo as mensagens ocultas e subliminares proliferam, impedindo uma correta contextualização do comentário. A deriva passa inclusivamente por gente de qualidade. Por repetidas vezes, desconfiei neste espaço da progressiva agressividade de Clara Ferreira Alves em relação a António Costa e defendi que dificilmente haveria matéria objetiva que justificasse tal animosidade em crescendo. Como dizia o outro há coisas que me chateiam profundamente e não poder contextualizar as afirmações dos outros é coisa que me tira do sério.

Mas a transumância do comentário para a cena de ir a votos é um estádio supremo da deriva a que estamos a assistir e é nesse ponto que gostaria de me focar.

Obviamente que existem outros critérios para analisar criticamente as opções assumidas pelos principais partidos do sistema político democrático português. Ambas as listas, do PSD e do PS, traduzem antes de mais o menosprezo das questões europeias, propondo gente que ou não pesca de todo nas águas comunitárias ou se limita a ter das mesmas uma posição de receptadores de fundos europeus, como são por exemplo alguns exemplos de autarcas a quem se atribuiu uma espécie de prémio de carreira.

Já por repetidas vezes referi neste blogue a minha frontal oposição à desvalorização política efetiva das eleições europeias e os problemas da Europa começam aí, infelizmente. Por isso, e embora isso choque muita gente, sou dos que, não deixando de medir o risco dessa opção para um país periférico, apoio o início da formação de listas europeias para se apresentar ao Parlamento Europeu. Porque isto de reivindicar que a Europa não tem posições comuns firmes e depois achar que essas opções firmes se formam pelo simples somatório de eleições europeias no plano nacional cheira-me a contradição e das valentes.

Por tudo isto, a transumância do Bugalho é algo que se insere numa deriva mais abrangente. A Europa não vai lá das pernas assim e mais uma dimensão se adiciona ao cenário europeu já negro por outras razões. Veja-se por exemplo a vulnerabilidade das opções ambientais europeias.

 

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