domingo, 21 de abril de 2024

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA E CLIMÁTICA: A CORRIDA ENTRE DOIS SISTEMAS

 


(Do ponto vista estrito da retórica, pode dizer-se que o Ocidente, particularmente a Europa, sobretudo depois da longa hesitação americana nos tempos de Trump na Casa Branca, domina o discurso do combate à ameaça climática e da transição energética. Mas, se formos além da mera retórica, o Ocidente está muito longe de dominar o que está realmente a ser feito para ser coerente nos atos com essa tal retórica, ora inflamada, ora mais hesitante. A ideia que me interessa trabalhar é a de que mais do que um confronto entre retórica e ação concreta, o que parece essencial é compreender que estamos a assistir nesta matéria a uma guerra aberta entre dois sistemas. Não é propriamente uma Guerra entre dois Mundos, mas estamos mais perante uma guerra sob a forma de corrida às transformações tecnológicas que farão da transição energética e climática não um confronto de discursos, mas antes de realizações e resultados concretos. Mas quem corre afinal?)

A corrida entre sistemas é melhor compreendida se opusermos a evolução a passos rápidos da China, que não vai muito em discursos e que tem em curso uma prodigiosa transformação, voltada para o mercado externo, com o que o Ocidente tem trabalhado de concreto, os EUA envolvidos numa pujante política industrial orientada para a economia verde e uma União Europeia, grandiloquente no seu New Generation, mas claramente a perder a dianteira em inovação tecnológica alinhada com as duas transições.

Compreendo bem as razões desta corrida estar a pender para o lado asiático, neste caso com a China como grande patrono das transformações em curso. No autoritarismo chinês, a plataforma dos incentivos e dos estímulos é praticamente substituída por intervenção direta do ponto de vista da produção. Pelo contrário, nos EUA, o Inflation Reduction Act não é mais do que uma modalidade de política industrial orientada para os padrões da descarbonização e da valorização do verde, mas esse propósito está em última instância dependente do modo como a iniciativa privada irá reagir a essa bateria de estímulos. Além do mais, apesar desse voluntarismo de política industrial, os EUA têm de desmontar os interesses da economia fóssil e petrolífera, o que não é coisa pouca, atendendo à força dos interesses que giram em torno dessa fonte de riqueza extrativa. Por sua vez, a União Europeia depara-se com um problema ainda maior e que consiste no grande desafio de concertar as estratégias dos países que a integram. O exemplo da Alemanha ilustra perfeitamente essa incapacidade de em tempo rápido passar da retórica ao mercado real da tecnologia.

Painéis solares, baterias e veículos elétricos alimentam hoje o crescimento económico chinês e isso significa que a economia chinesa já passou da retórica à ação, a sua tecnologia está no mercado e oferece alternativas concretas a países como a Índia, o Brasil, o Paquistão e o Brasil cada vez mais conscientes que as suas economias necessitam de níveis acrescidos de descarbonização. Esses países estão hoje progressivamente conscientes de que com o clima não se brinca e apreciam por isso que o mercado chinês lhes ofereça alternativas viáveis e mais baratas para lograr concretizar essa transformação. Bem pode pregar a União pela concorrência desleal promovida pela economia chinesa, mas o que temos na prática é uma capacidade chinesa de oferecer a países com uma elevada procura de investimentos e tecnologias de descarbonização uma tecnologia sólida e uma oferta em condições de responder às necessidades da procura.

Enquanto a União Europeia vende retórica e boas intenções, a China vende já tecnologia, operando noutro mundo – atingir a neutralidade carbónica dominando a indústria que a pode tornar possível.

A corrida entre os sistemas de mercado, mais ou menos musculados por ensaios de política industrial, e o capitalismo de Estado chinês parece estar a dar a este último uma superioridade que, em contexto de rendimentos crescentes, ou seja, mais avançado no tempo é mais capaz de fornecer tecnologia a mais baixo custo, fará pender o braço da balança para o lado asiático. Talvez uma cooperação mais atrevida com países aparentemente fora da rota de influência chinesa (Coreia do Sul e Japão, por exemplo) possa minimizar os estragos. Mas, por agora, o modelo de economia de mercado com fraca ou tímida intervenção pública não oferece grandes garantias de vitória.

 

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