domingo, 28 de abril de 2024

METADE-METADE, ALDINA DE NOVO

 


(Sim, já escrevi sobre isto. A Aldina Duarte destaca-se para mim no fado português, a força daquela Voz e a coerência das suas convicções impressionam-me. Tenho a perceção de que não é uma figura de plástico ou construída pelas torrentes de comunicação, é alguma coisa que irrompe com tanta clareza como é a sua dicção exemplar. Beatriz da Conceição diria que tem autenticidade e mais do que tudo a sua relação com a poesia, ver por exemplo, a cumplicidade com Maria Rosário Pedreira, traz ao fado é à canção popular o reencontro com palavras que se bastam a si próprias e às quais a voz de Aldina dá uma outra profundidade. Os discos de Aldina nunca me dececionaram e caminho sempre para eles expectante de que irei ser de novo surpreendido. Foi nessa perspetiva que caminhei para o Metade-Metade no qual Aldina propõe uma inusitada parceria com a Capicua. E não me arrependi …)

O texto que Capicua assina no folheto que acompanha o Metade-Metade é também ele um excelente elemento de contexto para ouvir este disco. Escreve Capicua que, dividida entre a vontade de aceitar o convite de Aldina e a hesitação em responder de forma positiva, que aceitou apenas com a condição de que ela lhe ensinasse os segredos dos poemas do fado, entendendo este com um templo e Aldina a sua guardiã. O texto abre-nos o caminho da aprendizagem que aquela colaboração representou e constitui por isso uma leitura obrigatória para compreendermos o produto final e esse está ao nível ou supera mesmo o que de melhor Aldina nos trouxe, ao longo de uma carreira onde se respira coerência. Viola, guitarra portuguesa e uma divina surpresa, a harpa de Ana Isabel Dias e não esquecendo o piano de Joana Sá, as palavras de Capicua e a Voz telúrica de Aldina iluminaram-me a manhã de Domingo.

Imaginem a densidade das palavras destes excertos das suas faixas que mais gosto neste disco empoderadas pela voz de Aldina:

A Dúvida

Eu não sei se é do tempo

Se é do vento o meu lamento

Se é do ventre esta frieza

Respirei o ar das pedras

Das veredas e das serras

Fiz os trilhos da tristeza

(…)

Tentativa

Fui feliz como a floresta

Pedi bis depois da festa

Mas é tarde e já estou só

Fui a fita que deu laço

Fui o nó que ficou lasso

Sei que tudo acaba em pó

 

Fui a sede da voragem

Fui a febre da viagem

Que acaba antes do fim

Queria ser um fogo posto

Num dia de sol em Agosto

Para te queimares em mim

(…)

Arrepiante, não?

 

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