sábado, 21 de janeiro de 2012

NOTÍCIAS DAS AMÉRICAS (5)

Encerro, pelo menos por agora, as minhas prometidas incursões sul-americanas. Com quatro notas que se traduzem em outros tantos elementos de ensinamento e reflexão para uso atual ou memória futura.

A primeira tem a ver com a euforia que genericamente se instalou na Região, fruto caldeado de consolidações democráticas que se repercutiram em fortes reduções dos níveis de pobreza absoluta e num significativo crescimento das classes médias, de melhorias nas políticas macroeconómicas e em termos de saneamento financeiro, de evoluções favoráveis dos preços das matérias-primas e de relacionamentos comerciais externos marcadamente virtuosos (China à cabeça). Chega a perpassar por aquelas paragens a ideia de que um decoupling perfeito pode existir, imunizadas que estariam a um qualquer contágio recessivo impulsionado por manifestações de crise nas zonas centrais do sistema económico mundial. Exageros à parte, a confiança é uma parte incontornável do “jogo”…

A segunda provém do pulular de algo que, à falta de melhor, se foi apelidando de “populismo”. Como em tempos escrevi: “Segundo os especialistas, a variedade das manifestações temporais e espaciais do populismo torna-o insusceptível de definição precisa. Mas uma coisa é certa: o constante ressurgimento do fenómeno, mesmo quando germina sobre sementes ‘imperialistas’, tem vindo a constituí-lo num fator interno altamente condicionador do desenvolvimento latino-americano, quiçá maior do que os avançados pelas teses ‘dependentistas’. Com a agravante adicional, em tempos de globalização, de um contributo não desprezível para o alastramento da violência, designadamente através de medos fáceis de agitar em torno dos impactos da crescente circulação de pessoas, bens e ideias.” Ora, e apesar dos crescentes sinais de otimismo nesta matéria – como sejam a já duradoura aproximação do Brasil a “normalidades”, as marcantes performances económicas de Colômbia (Álvaro Uribe e Juan Manuel Santos) e Peru (Alan García e Ollanta Humala) ou os recentes trilhos políticos de Uruguai (José Mujica) e Paraguai (Fernando Lugo) –, o “eixo do bem” resiste (Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa, com a família Kirchner a ameaçar associação). O que pasma é a observação da indisfarçada tolerância (bem para lá de tacticismos ou relações de boa vizinhança) que tantos agentes políticos responsáveis e experientes lhe concedem...

A terceira decorre das crises financeiras vividas nos anos 80 e seguintes. Mesmo sem pretender arriscar comparações incomparáveis, muita da informação disponível aponta para que a Europa devesse encarar a “década perdida” ou o “caso argentino” como fontes relevantes de inspiração. Sem grandes delongas em torno de defaults, fugas de investidores, corridas a bancos, apoios multilaterais ou governos tecnocráticos, e muito simplesmente: porque não revisitar e estudar o então chamado “Plano Brady” relativo à reestruturação da dívida dos principais países endividados? Questão que tem sido aventada – “Euro Zone should look to Brady Plan to solve its crisis”, “Eyeing the Brady Plan as a model for Greece” ou “A Brady Plan to end Europe’s crisis” –, mas sem grandes consequências. E, já agora, porque não recuperar e avivar o que foi o doloroso percurso até à morte do velho “Consenso de Washington”, hoje alegadamente ressuscitável em versão berlinense? Incompreensível “austeritarismo”, neste espaço tão seriamente denunciado pelo meu amigo António Figueiredo…

A quarta e última assume a faceta algo “politicamente incorreta” de autorizar interrogações em torno da secular dicotomia livre-câmbio/protecionismo e dos dogmas e fantasmas estabelecidos. Secundarizando as ações mais ou menos provocatórias de alguns governos (entre injustificadas nacionalizações de interesses externos e medidas mais “soft”, como o lançamento pela própria Argentina de um licenciamento das importações para 600 empresas
estrangeiras), são já múltiplas as decisões/ações que vão no sentido do que o Ministro da Fazenda do Brasil designou por “defesa comercial”: não afrontar as regras da OMC – embora sublinhando a necessidade de uma revisão dos seus instrumentos por forma a levar em consideração a guerra cambial – mas explorar amplamente as suas margens de manobra: os aumentos de 30%, em Setembro, do IPI (Imposto sobre os Produtos Industrializados) brasileiro para as importações do setor automóvel provenientes de fora do Mercosul e das taxas de importação dos países do Mercosul, na Cimeira de Dezembro, são exemplos bem recentes (veja-se a ilustração de Satoshi Kambayashi, “The Economist”, http://www.economist.com/node/17906027). Modelo de substituição de importações 2.0, novas tentações protecionistas? Ou tão-só tateamentos sem tabus em busca de novos caminhos? Um tema a retomar, até com um enfoque europeu – em França, depois do tradicional “protecionismo inteligente” de Lionel Stoleru e dos argumentos de economistas de primeira linha (Jacques Sapir, p.e.), os 17% de Arnaud Montebourg nas primárias socialistas evidenciam quanto ele já penetrou o discurso político...

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