domingo, 22 de janeiro de 2012

DO EFÉMERO AO DURADOURO: COMO AVALIAR?


Embora não tendo estado presente na grande festa de abertura da Capital Europeia da Cultura em Guimarães, também eu me associo ao evento com uma breve reflexão sobre o seu significado no território de acolhimento e nas condições concretas da sociedade portuguesa.
Como tem sido recorrente em muitas iniciativas na Região, a génese do projeto da Capital Europeia da Cultura em Guimarães foi acompanhada de alguma turbulência de protagonismos, aparentemente corrigida a tempo, fazendo fé pelo menos no equilíbrio da primeira jornada. Em tempo de míngua, uma organização desta natureza, mesmo que austera pour cause, atrai naturalmente predadores de oportunidades deste tipo e nem sempre é possível compatibilizar as expectativas locais e a necessidade de abertura a algum cosmopolitismo cultural. A comunicação a isso obriga e as condições de atratividade que o evento se propõe atingir também. A sobriedade do novo homem do leme João Serra é um bom prenúncio para exigida mudança de trajetória e para um relacionamento saudável com as expectativas locais que tendem a acantonar-se em torno da Câmara Municipal de Guimarães, na qual o bom senso político de António Magalhães é também um trunfo precioso.
Mas o que me interessa hoje sublinhar é que, nos tempos que correm, tendemos mais a seguir um evento desta natureza pela via das suas manifestações efémeras do que pelos efeitos duradouros do investimento. Como é compreensível, um evento como a Capital Europeia da Cultura tem de traduzir-se em dinâmicas urbanas que proporcionem momentos de identificação com a cidade e com o território. Também precisamos de momentos de valorização da autoestima. Guimarães preparou com tempo espaços públicos de elevada propensão cénica para esse tipo de eventos e a qualidade do seu centro histórico é o contraponto ideal para a criatividade e modernidade dessa conquista do espaço público pela arte e cultura. A efemeridade é intrínseca desses momentos e com ela temos de aprender a viver, transformando a sua fruição em memória identitária.
Mas uma oportunidade desta envergadura, ainda que austera, não pode esgotar-se nos efeitos da efemeridade. Tem de ficar alguma coisa. Depois da sua realização, a cidade (talvez seja muito ambicioso dizer a sub-região do Vale do Ave) não pode ser a mesma.
Em vários trabalhos profissionais realizados para o território do Ave, sempre defendi que a dimensão artística e da criatividade constituíam um complemento indispensável do processo de modernização produtiva e tecnológica que aquele território vem vivendo em coexistência socialmente penosa com a destruição de emprego. Isso acontece porque a dimensão cultural e criativa é crítica para assegurar um lastro de urbanidade a todo o processo de reconversão do território do Ave. A Câmara de Guimarães foi talvez a primeira a compreender essa dimensão da reconversão, mas outras Câmaras Municipais como Vila Nova de Famalicão também rapidamente o compreenderam, colocando-se nesse mapa de atratividade.
Mas a Capital Europeia da Cultura em Guimarães é também, em meu entender, um momento único para por ordem nas parcerias e outras formas de cooperação institucional que animam a cidade e o território mais vasto. O forte empreendedorismo que caracteriza o território tem também o seu equivalente na dinâmica institucional e associativa, muito aguerrida, mas frequentemente atomizada e pouco propensa à cooperação por objetivos. O evento tem um grande desafio que consiste em fazer coexistir harmoniosamente a dimensão cosmopolita e internacional com a integração da iniciativa local e da valia dos seus recursos muito diversificados, com expressão local muito disseminada pelo território. Acompanharei, por isso, com atenção as realizações da Capital Europeia do ponto de vista da integração dessa vasta rede de iniciativas locais, mesmo que possa ser seduzido por alguns pontos altos da sua programação de expressão mais cosmopolita.
E em matéria de públicos e de consumos culturais uma Capital Europeia também deve deixar marcas. Esse impacto é crucial para que o pico de um evento possa diluir-se sem alardes pelos anos seguintes, suscitando um salto na programação de todos os dias.
A relação do efémero com o duradouro é, assim, um tema fascinante de avaliação de políticas públicas, sendo necessário preparar as condições ao longo do evento para que essa avaliação seja possível, sem traumas ou receios e antes como um processo intrínseco a todo o processo que represente um pico na utilização de fundos públicos. Os resultados que podem daí resultar e o amplo escrutínio em torno da sua divulgação e discussão serão preciosos para dosear a nossa propensão para o evento exógeno, expressivo, ambicioso e comunicável em larga escala. Aprender, apenas.

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