sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

(UM POUCO) PERDIDOS NAS SUAS CONVICÇÕES


O Quadratura do Círculo é praticamente um dos únicos, senão o único, programa de debate político que vale a pena ouvir. Sobretudo pela sua honestidade e porque o debate se estabelece mais entre tipos e modelos de pensamento do que entre representantes partidários. Na verdade, a regra seguida pela maior parte dos programas deste tipo de recorrer ao critério da equidade política por quotas de representação partidária faz entrar nas nossas casas a estupidez, a imbecilidade, o vazio de pensamento, a flexibilidade de rins transformada em oratória fácil dos papagaios partidários e muito, mesmo muito lixo. Fazer de conta que essa cacofonia é debate político é um mau serviço à educação cívica, mas é o que temos.
No caso da Quadratura do Círculo, o debate existe porque estão bem definidos três corpos de pensamento, os conflitos de interesses são conhecidos e, apesar da sua filiação partidária, a sua não identificação plena com a lógica dos respetivos aparelhos assegura aos intervenientes não propriamente uma total liberdade de pensamento mas pelo menos um debate efetivo.
É por isso interessante seguir a evolução do debate em torno da situação atual da economia portuguesa e dos seus efeitos na performance do atual governo. O debate de ontem marca senão uma viragem na dinâmica do programa, pelo menos uma alteração qualitativa não despicienda de considerar neste espaço de reflexão. O que parece ressaltar do debate de ontem é a posição menos acossada e mais distendida de António Costa. Há que convir que o homem passou um mau bocado no rescaldo do desvario da governação Sócrates e só de facto muita habilidade lhe permitiu minorar os danos colaterais. Identificado mas non troppo com o último estádio da governação Sócrates e não propriamente um entusiasta do inseguro consolado de Seguro, António Costa tem centrado o seu posicionamento em torno da questão europeia e da inábil teimosia de Merkel e Sarkosy. E parece-me que não se tem dado mal.
Ontem, perante a eventualidade de um segundo resgate financeiro para a economia portuguesa, com ou sem novo programa de austeridade, já aqui abundantemente comentado na hora, o debate pôs a claro algum sabor amargo dos posicionamentos de José Pacheco Pereira e de Lobo Xavier. JPP, convergindo com a perceção do agravamento dos efeitos da terapia de austeridade mas não alinhado com abordagens alternativas da superação da crise, surge um pouco perdido nas suas convicções. O seu pessimismo realista, que o conduz a uma antecipação por uma década dos padrões de austeridade para a sociedade portuguesa, oculta a meu ver o desencanto de quem não vê solução no seu corpo de pensamento e alinhamento político. A sua total insensibilidade aos temas económicos, que o leva a limitar perigosamente referências, inibe-o de considerar outros cenários de intervenção. Os economistas costumam ser acusados de arrogância disciplinar. Neste caso, a arrogância disciplinar está do lado de JPP, pois a sua incapacidade de fertilizar cruzadamente o seu pensamento com o debate económico, afunila-o numa sem esperança que não é bom para a alma, dele entenda-se. LX, pelo contrário, mais dado a um piscar de olho ao debate económico, sobretudo pela sua inserção profissional, evidencia também uma forte incomodidade com a desastrada condução política da abordagem à crise europeia e com o seu bom senso está numa situação muito defensiva. Isso transparece por exemplo na sua confissão de que no plano conceptual a esquerda socialista tem hoje perspetivas para a crise que lhe soam mais consistentes do que a protagonizada pelos seus companheiros de opção ideológica. Tudo isto provoca que António Costa apareça menos acossado e provavelmente já liberto do período de nojo a que os resultados da governação Sócrates o conduziram.
E até do “truísmo” “ as causas externas atuam por via de causas internas”, proveniente da memória maoista de JPP, se falou. Pena foi que não se reconhecesse que outros cientistas políticos, bem mais relevantes que a vulgata maoista (dá que pensar como é que uma inteligência como a de JPP já andou por aquelas águas), trabalharam esse truismo em termos bem mais promissores. Por exemplo, Fernando Henrique Cardoso, na sua “análise concreta de situações concretas de dependência”, tem um contributo crucial para entender a interação entre causas externas e internas no contexto da dependência latino-americana.
E, para finalizar, no debate sobre a incapacidade interna da governação atual estimular o crescimento económico, a posição de LX segundo a qual a via mais relevante (política fiscal) está irremediavelmente condicionada pelas condições de resgate financeiro, soa a muito pouco. O problema é antes o de não haver uma política económica consequente e clara nos seus objetivos. Apostar todos os estímulos ao crescimento no cesto dos resultados da concertação social, sem Proença ou com o mesmo, parece muito débil. E o crédito interno? E, como António Costa bem o assinalou, onde está um programa consistente de apoio às exportações?
O problema continua a ser outro. A abordagem ao resgate financeiro com a qual implicitamente nos comprometemos baseia-se numa simples retórica do crescimento. Não tem implícita, por incompatibilidade de princípios, uma abordagem estrutural ao crescimento e isso projeta-se no próprio acordo de concertação social. Experimentem retirar as páginas de “wishful thinking” (blá-blá-blá) do acordo e vejam o que fica. Deprimente, não é?

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