segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

COMÉRCIO EXTERNO E PODER


No dia de hoje, na antecâmara de mais uma cimeira do desconcerto europeu, o destino que terá na negociação o tratado fiscal de origem alemã sobre a limitação dos défices públicos marca decisivamente a intensidade do desvario atual. Penso mesmo que a ideia, também de origem alemã, de consagrar um Comissário com poderes de veto sobre as opções orçamentais gregas (tão liminarmente rejeitada por Jean Claude Juncker, Presidente do Eurogrupo, é uma manobra de diversão para amainar eventuais reações ao tratado fiscal.
No Diário de Notícias de hoje, Viriato Soromenho Marques falava da cegueira como tratado e terminava com esta afirmação: “A Europa vai correr para uma catástrofe. O Tratado de Merkel é um copo de cicuta. Um Tratado, verdadeiramente? Já li declarações de guerra com mais educação e elegância”.
Nesta vertigem de acontecimentos e impressões, fui direito a uma das obras mais ignoradas e esquecidas de Albert O. Hirschman, cujo pensamento influenciou o aparecimento deste blogue. A obra chama-se “National Power and the Structure of Foreign Trade”. Inicialmente escrito nos primeiros anos da década de 40 e editado em 1945 pela Universidade da Califórnia (Berkeley), com uma reedição e pequena extensão em 1980, o texto é visto como o estudo pioneiro do modo como o comércio internacional pode representar um instrumento de dominação. Na antologia do subdesenvolvimento que publiquei já há alguns anos com o atual Governador do Banco de Portugal Carlos Costa (Afrontamento, 1986), dediquei-lhe um lugar muito especial como uma das mais profundas e pioneiras visões estruturais do comércio internacional.
A curiosidade é que a base empírica de referência da obra de Hirschman é nada mais nada menos do que a gestão nazi do seu comércio internacional durante a década de 30, designadamente no âmbito das suas relações com o leste e sudoeste europeus. Escrevíamos então: “Hirschman teoriza o modo como o nazismo capitalizou as potencialidades das relações comerciais como meio de exercício do poder nacional, abordando a problemática das assimetrias inter-países sob o seu ponto de vista ativo – adominação”. É a base empírica de referência que explica que, inicialmente publicada em 1945, tenha permanecido esquecida durante largo tempo, sendo posteriormente reabilitada como uma abordagem pioneira das relações de poder que podem ocultar-se por detrás de uma lógica de mercado de livre-câmbio indiscriminado.
Não se trata de uma analogia fácil ou incendiária. Mas é impossível não pensar nesta referência quando se analisa a génese do tratado fiscal e sobretudo quando se contextualiza o mesmo à luz da situação política alemã atual. Opiniões desalinhadas como Munchau no Financial Times afirmam que o tratado fiscal gerará paradoxalmente uma explosão de dívida, aumentando os riscos de uma quase permanente depressão na Europa do sul. Também no Financial Times, Quentin Peel referia há dias a potencial revolta do grupo conservador do Parlamento alemão impondo uma posição mais dura de Merkel relativamente não só à Grécia mas também em relação ao pacto fiscal, posição não seguida seja pelos sociais-democratas, seja pelos Verdes. O que dirá Hirschman, envelhecido e distante em Princeton, sobre mais esta gestão alemã?
A imagem sobre o efeito Merkosy que tem passado pela NET prenuncia algo:

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