sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

OS CAMINHOS ÍNVIOS DA POLÍTICA MONETÁRIA ATUAL


Só aparentemente a estabilização do euro-sistema deu tréguas nas duas primeiras semanas de 2012. Na sua primeira conferência de imprensa do ano, Mário Draghi, Presidente do BCE, apresentou mais um contributo para um léxico bastante mais imaginativo do que o da era Trichet. Segundo ele, estaríamos presentemente a viver um período de “a low level tentative stabilisation of economic activity”, que poderíamos traduzir por estabilização provisória a um baixo nível de atividade económica. A sua posição é sobretudo estimulada pelas ligeiras melhorias que Espanha e Itália tiveram em termos de emissão de dívida (em termos de procura e de taxas).
Mas se as conferências de imprensa de Draghi parecem menos monocórdicas do que as do seu antecessor, as nuvens de incerteza não se dissiparam. O teor da incerteza talvez se tenha modificado, mas continua. Senão vejamos. O risco de rotura do acesso a financiamento por parte da banca terá diminuído, senão mesmo estabilizado. Mas o espectro recessivo no espaço da União Europeia persiste, agora sobretudo que se anuncia a sua extensão à economia alemã (queda abrupta estimada para o último trimestre do ano). O Reino Unido não está melhor em termos de expectativas. Curiosamente, esta semana os investidores em termos práticos pagaram pelo privilégio de poderem emprestar ao governo de Berlim, já que a emissão de dívida a curto prazo foi concretizada com uma taxa negativa.
Entretanto, à medida que novos elementos de informação sobre as operações dos bancos centrais e BCE vão sendo conhecidos, vai-se generalizando entre os analistas a convicção de que, nos últimos tempos, se tem assistido a um comportamento tudo menos tradicional dos bancos centrais. Um dos cronistas mais perspicazes do Financial Times (Gavyn Davies) falava de “um comportamento sem precedentes dos bancos centrais”.
Tem-se falado muito nas últimas semanas de uma expressão bastante utilizada nos meandros da política monetária: “quantitative easing” que poderíamos traduzir livremente por abertura da torneira monetária. Em termos de vulgarização, a operação envolve o aumento da oferta de moeda através da compra de títulos da dívida pública ou de outras origens no mercado procurando em última instância resolver problemas de concessão de crédito e de liquidez na economia.
No artigo de Davies, é possível confirmar a significativa injeção de liquidez operada pelos grandes bancos centrais (BCE, Japão, Reserva Federal, Inglaterra).

A intervenção do BCE não é totalmente coincidente com a dos seus parceiros institucionais, com relevo para as suas duas operações de financiamento a 3 anos da banca europeia (com a estimativa de que a operação a concretizar em Fevereiro de 2012 terá ainda uma mais ampla recetividade do que a primeira. Por conseguinte, independentemente do modelo de torneira, ela está aberta e, pelo menos a curto prazo, riscos de inflação nem vê-los, aliás como seria de esperar atendendo a que a generalidade das economias tem o seu produto significativamente abaixo do seu produto potencial máximo. Em termos probabilísticos, o risco de deflação é ainda hoje maior.
Neste tipo de contextos, emergem claramente as limitações da política monetária, por mais ínvios e indiretos que sejam os seus caminhos. E o problema central é que a liquidez pretendida parece não chegar à economia real. No caso do BCE, Draghi não é convincente sobre o que estará efetivamente a acontecer como resultado da primeira operação. É verdade que os bancos que tenderam a aparcar liquidez no BCE não são necessariamente os mesmos que recorreram ao seu financiamento. Mas afirmar que essa liquidez flui pela economia parece-me mais confundir o desejável com a realidade.
Bem pode o BCE ceder aos analistas mais convictos e numa próxima oportunidade descer a sua taxa de financiamento abaixo de 1% ou até como os mais ousados recomendam tornar as suas taxas de aparcamento de liquidez negativas para os bancos candidatos.
O problema é outro. Enquanto persistir duradouramente o abaixamento do produto das economias face ao seu produto máximo potencial e enquanto a crise da banca se intrometer entre a torneira aberta e a economia real, a imposição a curto prazo de consolidações orçamentais abruptas reduzirá sempre a eficácia da política monetária, por mais imaginativa ou ousada que esta se apresente. Já não nos bastava a ortodoxia republicana e a inconsistência democrata nos Estados Unidos. Com outros contornos, a negação da evidência da relevância do estímulo fiscal (despesa) na zona euro e no Reino Unido tenderá a transformar o léxico de Draghi ("a low level tentative stabilisation of economic activity”) no traço fundamental da economia europeia nos tempos mais próximos.

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