Mas se as conferências de imprensa de Draghi parecem menos monocórdicas do que as do seu antecessor, as nuvens de incerteza não se dissiparam. O teor da incerteza talvez se tenha modificado, mas continua. Senão vejamos. O risco de rotura do acesso a financiamento por parte da banca terá diminuído, senão mesmo estabilizado. Mas o espectro recessivo no espaço da União Europeia persiste, agora sobretudo que se anuncia a sua extensão à economia alemã (queda abrupta estimada para o último trimestre do ano). O Reino Unido não está melhor em termos de expectativas. Curiosamente, esta semana os investidores em termos práticos pagaram pelo privilégio de poderem emprestar ao governo de Berlim, já que a emissão de dívida a curto prazo foi concretizada com uma taxa negativa.
Entretanto, à medida que novos elementos de informação sobre as operações dos bancos centrais e BCE vão sendo conhecidos, vai-se generalizando entre os analistas a convicção de que, nos últimos tempos, se tem assistido a um comportamento tudo menos tradicional dos bancos centrais. Um dos cronistas mais perspicazes do Financial Times (Gavyn Davies) falava de “um comportamento sem precedentes dos bancos centrais”.
Tem-se falado muito nas últimas semanas de uma expressão bastante utilizada nos meandros da política monetária: “quantitative easing” que poderíamos traduzir livremente por abertura da torneira monetária. Em termos de vulgarização, a operação envolve o aumento da oferta de moeda através da compra de títulos da dívida pública ou de outras origens no mercado procurando em última instância resolver problemas de concessão de crédito e de liquidez na economia.
No artigo de Davies, é possível confirmar a significativa injeção de liquidez operada pelos grandes bancos centrais (BCE, Japão, Reserva Federal, Inglaterra).
Neste tipo de contextos, emergem claramente as limitações da política monetária, por mais ínvios e indiretos que sejam os seus caminhos. E o problema central é que a liquidez pretendida parece não chegar à economia real. No caso do BCE, Draghi não é convincente sobre o que estará efetivamente a acontecer como resultado da primeira operação. É verdade que os bancos que tenderam a aparcar liquidez no BCE não são necessariamente os mesmos que recorreram ao seu financiamento. Mas afirmar que essa liquidez flui pela economia parece-me mais confundir o desejável com a realidade.
Bem pode o BCE ceder aos analistas mais convictos e numa próxima oportunidade descer a sua taxa de financiamento abaixo de 1% ou até como os mais ousados recomendam tornar as suas taxas de aparcamento de liquidez negativas para os bancos candidatos.
O problema é outro. Enquanto persistir duradouramente o abaixamento do produto das economias face ao seu produto máximo potencial e enquanto a crise da banca se intrometer entre a torneira aberta e a economia real, a imposição a curto prazo de consolidações orçamentais abruptas reduzirá sempre a eficácia da política monetária, por mais imaginativa ou ousada que esta se apresente. Já não nos bastava a ortodoxia republicana e a inconsistência democrata nos Estados Unidos. Com outros contornos, a negação da evidência da relevância do estímulo fiscal (despesa) na zona euro e no Reino Unido tenderá a transformar o léxico de Draghi ("a low level tentative stabilisation of economic activity”) no traço fundamental da economia europeia nos tempos mais próximos.
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