terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O QUE DIZ A STANDARD & POOR'S …


Partilho as dúvidas de muitos sobre a legitimidade da ação das agências de rating, a sua independência face a interesses de mercado nem sempre transparentes e a demissão das instituições europeias face a empresas mais comprometidas com os desvarios financeiros da economia americana nos anos 2007 e 2008. Recordo-me inclusivamente de subscrever um pedido ao Ministério Público português para investigar o seu comportamento. Pode parecer por isso paradoxal abrir um post neste blogue dando atenção ao que diz a Standard & Poor's. Mas não é tão paradoxal como possa parecer.
Mas que as há, há e do Público de hoje pode confirmar-se que “Taxas subiram em todos os principais prazos no mercado secundário, na véspera de Portugal realizar o segundo leilão de dívida do ano. Títulos a dez e a cinco anos estão em novos recordes”.
Estimulado por um post acutilante de Krugman, dei comigo a analisar em pormenor a documentação publicada pela S&P para justificar a decisão de varrer um número muito significativo de países da zona euro com descidas do seu rating que, para além de atingir a até então inatacável França, meteu no mesmo saco o Chipre, a Itália, a Espanha e Portugal com descida de dois níveis. E a leitura dessa documentação traz-nos abundante matéria de reflexão.
Tenhamos, primeiro, em conta os cinco fatores identificados pela S&P como elementos de desconfiança acerca da efetividade do que está a ser feito pelas autoridades europeias, entendidos como o racional da avaliação de risco do fim da semana passada:
•    Restrição das condições de crédito;
•    Aumento de prémios de risco para um conjunto alargado de países emissores de dívida;
•    Desalavancagem financeira simultânea de governos e famílias (e de empresas, acrescentaria eu);
•    Débeis perspetivas de crescimento;
•    Desacordo significativo entre políticos europeus sobre a abordagem à situação criada.
Por mais obtuso que possa parecer, não tenho dificuldade em subscrever qualquer um dos fatores identificados. Apesar desta aparente convergência de avaliação, haverá provavelmente ampla divergência sobre as causas que terão conduzido a este conjunto de fatores interdependentes entre si que evoluem para uma espécie de convergência cumulativa. Mas, num registo que alguns observadores tenderão a identificar como um cinismo inaudito da S&P, pode ler-se na justificação apresentada pela agência: “Sustentamos ainda que um processo de reforma apenas baseado num pilar de austeridade fiscal pode caminhar para a autodestruição (self-defeating), à medida que a procura interna se retrai em linha com as preocupações crescentes dos consumidores acerca da segurança de emprego e o rendimento disponível, erodindo os rendimentos fiscais nacionais”. Dirão alguns “preso por ter cão e preso por não ter”. Mas a verdade é que a Merkúlea Chancelerina alemã se apressou a dar gás à inevitabilidade de acelerar o pacote de austeridade fiscal, não parecendo sequer pestanejar sobre esta advertência da S&P.
A divergência é, entretanto, de fundo. Não se trata apenas de criticar a existência de apenas um pilar (a austeridade fiscal) e juntar-lhe um outro (o da competitividade na perspetiva do blá-blá das reformas estruturais). O problema é outro. Não é possível introduzir sustentadamente o segundo pilar sem abrandar o primeiro, seja no tempo da sua incidência, seja no da sua intensidade. Introduzir uma correção fiscal tão abrupta e rápida no tempo é incompatível com o pilar da competitividade, exigindo por isso uma combinação mais harmoniosa entre os dois e sobretudo a criação de condições globais de recuperação sustentável na economia europeia.
Dois outros aspetos merecem referência na justificação apresentada pela S&P.
Primeiro, a tese de que a origem da crise europeia não está apenas na indisciplina fiscal, mas antes num desequilíbrio estrutural de competitividade no interior da zona euro.
Segundo, a cruel avaliação de que as perspetivas negativas de rating a longo prazo de um conjunto alargado de economias, entre as quais Portugal, mas também economias como a Finlândia, Holanda e França, anunciam novas descidas de rating para 2012 ou 2013. O que significa estarmos perante um processo claramente cumulativo de degradação de situação.
As lágrimas de crocodilo do nosso pausado Ministro das Finanças verberando, como donzela vítima indefesa, a maldade e injustiça do avaliador, revelam afinal que a governação não está ainda consciente do efeito autodestruidor da terapia que está a ser utilizada. E não o está por inépcia ou miopia económica. Não está consciente porque a Merkúlea orientação, sua mentora, teima em não apreender o que é evidente. Até lá as agências continuarão a produzir avaliações como a que abalou a estabilidade provisória de que falava Draghi, também na semana passada.

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