quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

ECONOMIA E CULTURA


Uma participação prevista ainda não confirmada e a intermitência da nossa blogger Paula Guerra têm determinado uma presença menos assídua do que desejaríamos à partida das questões da cultura na interface público e privado. Tentarei com algum atrevimento ocupar, ainda que imperfeitamente, parte desse espaço com algumas reflexões sobre a relação entre economia e cultura e não apenas sobre o que estaria aparentemente mais próximo das minhas preocupações – a economia da cultura.
Faço-o partindo de uma evidência: a cultura, digamos o conjunto complexo das atividades e práticas artísticas e criativas, está também sob o impacto do processo de consolidação abrupta das contas públicas e os efeitos associados do empobrecimento geral que o resgate financeiro tem imposto à sociedade portuguesa. Trata-se de uma evidência que deveria corresponder a um facto normal. Afinal se toda a sociedade está sob o impacto do empobrecimento, fruto da controversa desvalorização nominal de que temos falado abundantemente neste blogue, por que razão a cultura estaria fora desses efeitos?
Mas em torno dessa evidência tenho recolhido elementos muito sugestivos sobre o modo como os agentes culturais em geral, artistas, programadores, investigadores sobre o tema, animadores, etc., a propósito dos chamados cortes orçamentais, se situam face à economia (mercado). Não tenho ainda uma base sistemática de considerações. Tenho seguido um grupo de discussão no Google sobre indústrias culturais e criativas (industrias-culturais-e-criativas@googlegroups.com), estado atento ao que na rádio e na comunicação social tem dispersamente emergido e acompanhado com alguma atenção o blogue Elitário para Todos. O material que se tem desenhado é muito desigual. Recordo, por exemplo, o peso de sabedoria e maturidade das entrevistas de Luís Miguel Cintra, lúcidas, dificilmente ignoráveis por qualquer poder, haja ou não Ministro da Cultura.
Mas a dimensão que me interessa por agora reter é que o tema dos cortes orçamentais na cultura vem frontalmente ao encontro de um tema de discussão, já aqui comentado em posts anteriores, e que diz respeito às novas escolhas públicas que uma transição da natureza da que estamos a viver deveria suscitar com amplo e enriquecido escrutínio democrático. Um Secretário de Estado que diz não acreditar muito nas políticas culturais (matéria que mereceria uma ampla discussão até agora praticamente inexistente) não ajuda muito a centrar essa discussão. Mas parece-me fundamental que qualquer sociedade, por mais desequilibrada que seja, tem de partir de um padrão de oferta pública de bens culturais, não esquecendo o modo como essa oferta se distribui pelo território. Mas há que ter em conta que a inovação, a irrequietude, o alternativo evoluem frequentemente fora dos apoios públicos (controlados ou não). Continuo a afirmar por exemplo que a dinâmica cultural do Porto só nesse contexto de maior distância do poder público pode ser plenamente compreendida. São matérias que interessa integrar no referido debate.
Depois, trabalhando os testemunhos diversos já recolhidos, emerge com clareza a incomodidade, resistência ou mesmo rejeição total com que uma grande maioria dos agentes culturais encara os diferentes tipos de relacionamento possível com o mercado (a economia). Este tema interessa-me sobretudo do ponto de vista do estudo o tema das indústrias culturais e criativas. É fascinante o modo como dois mundos com capital social e de confiança tão diferenciados (a cultura e o business) podem ser aproximados em novos contextos em regra associados às ditas indústrias culturais e criativas. Numa destas últimas noites, revendo o Bullets Over Broadway de Woody Allen e sobretudo a cena genial entre o dramaturgo e o agente comercial a que se junta posteriormente o gangster, prometi a mim mesmo que seria matéria a não deixar cair neste blogue.

Sem comentários:

Enviar um comentário