Uma participação prevista ainda não confirmada e a
intermitência da nossa blogger Paula Guerra têm determinado uma presença menos
assídua do que desejaríamos à partida das questões da cultura na interface público
e privado. Tentarei com algum atrevimento ocupar, ainda que imperfeitamente,
parte desse espaço com algumas reflexões sobre a relação entre economia e
cultura e não apenas sobre o que estaria aparentemente mais próximo das minhas
preocupações – a economia da cultura.
Faço-o partindo de uma evidência: a cultura, digamos o
conjunto complexo das atividades e práticas artísticas e criativas, está também
sob o impacto do processo de consolidação abrupta das contas públicas e os
efeitos associados do empobrecimento geral que o resgate financeiro tem imposto
à sociedade portuguesa. Trata-se de uma evidência que deveria corresponder a um
facto normal. Afinal se toda a sociedade está sob o impacto do empobrecimento,
fruto da controversa desvalorização nominal de que temos falado abundantemente
neste blogue, por que razão a cultura estaria fora desses efeitos?
Mas em torno dessa evidência tenho recolhido elementos
muito sugestivos sobre o modo como os agentes culturais em geral, artistas,
programadores, investigadores sobre o tema, animadores, etc., a propósito dos
chamados cortes orçamentais, se situam face à economia (mercado). Não tenho
ainda uma base sistemática de considerações. Tenho seguido um grupo de discussão
no Google sobre indústrias culturais e criativas (industrias-culturais-e-criativas@googlegroups.com),
estado atento ao que na rádio e na comunicação social tem dispersamente emergido
e acompanhado com alguma atenção o blogue Elitário para Todos. O material que se tem
desenhado é muito desigual. Recordo, por exemplo, o peso de sabedoria e
maturidade das entrevistas de Luís Miguel Cintra, lúcidas, dificilmente ignoráveis
por qualquer poder, haja ou não Ministro da Cultura.
Mas a dimensão que me interessa por agora reter é que o
tema dos cortes orçamentais na cultura vem frontalmente ao encontro de um tema
de discussão, já aqui comentado em posts anteriores, e que diz respeito às
novas escolhas públicas que uma transição da natureza da que estamos a viver
deveria suscitar com amplo e enriquecido escrutínio democrático. Um Secretário
de Estado que diz não acreditar muito nas políticas culturais (matéria que
mereceria uma ampla discussão até agora praticamente inexistente) não ajuda
muito a centrar essa discussão. Mas parece-me fundamental que qualquer
sociedade, por mais desequilibrada que seja, tem de partir de um padrão de
oferta pública de bens culturais, não esquecendo o modo como essa oferta se
distribui pelo território. Mas há que ter em conta que a inovação, a
irrequietude, o alternativo evoluem frequentemente fora dos apoios públicos (controlados
ou não). Continuo a afirmar por exemplo que a dinâmica cultural do Porto só
nesse contexto de maior distância do poder público pode ser plenamente
compreendida. São matérias que interessa integrar no referido debate.
Depois, trabalhando os testemunhos diversos já
recolhidos, emerge com clareza a incomodidade, resistência ou mesmo rejeição
total com que uma grande maioria dos agentes culturais encara os diferentes
tipos de relacionamento possível com o mercado (a economia). Este tema
interessa-me sobretudo do ponto de vista do estudo o tema das indústrias
culturais e criativas. É fascinante o modo como dois mundos com capital social
e de confiança tão diferenciados (a cultura e o business) podem ser aproximados
em novos contextos em regra associados às ditas indústrias culturais e
criativas. Numa destas últimas noites, revendo o Bullets Over Broadway de Woody
Allen e sobretudo a cena genial entre o dramaturgo e o agente comercial a que
se junta posteriormente o gangster, prometi a mim mesmo que seria matéria a não
deixar cair neste blogue.
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