segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

CAPITAIS



Não deixa de ser irónico que na penúria em que o país se encontra, alvo de um programa de assistência financeira que impõe condições duras e é portador de dolorosas consequências, condição necessária para que nos mantenhamos na Europa da moeda única, tenhamos neste ano em Portugal, no Norte, no Minho, a duas dezenas de quilómetros, duas Capitais Europeias: Guimarães Capital Europeia da Cultura e Braga Capital Europeia da Juventude. Esta não é, de todo, uma situação vulgar, sobretudo num país como o nosso, periférico dos centros de decisão europeus.
Nós somos mestres a desvalorizar o que alcançamos com esforço, competência e saber e às vezes génio: quem diz aos quatro ventos que o Porto tem dois prémios Pritzker, Álvaro Siza e Eduardo Souto Moura, coisa inédita na mesma cidade, invulgar no mesmo país?
Este zoom europeu é feito em 2012 sobre Braga e Guimarães. E isso coloca acrescidas responsabilidades às organizações destes eventos. Porque eles contêm na sua matriz e nos seus propósitos as mais generosas e representativas intuições do Projecto Europeu. E a Europa necessita, como pão prá boca, destes momentos de síntese dos seus valores, de revisão da matéria dada.
Num tempo em que os valores e as práticas da democracia voltam a estar seriamente ameaçados…
•    a Europa e os estados europeus estão debaixo de fogo: da perseguição à presa a abater destacada do grupo evoluiu-se para a fase 2 que corresponde ao fogo de varrimento do campo do inimigo. As políticas e as agendas passaram inexoravelmente a ser comandadas por poderes não escrutináveis que se sobrepõem aos legítimos poderes sufragados pelos povos;
•    a União Europeia debate-se com a maior crise da sua história, que fere a sua própria legitimidade, quando os Tratados são repetidamente torpedeados pelo surgimento de Directórios que condicionam e tornam dispensáveis os órgãos de decisão europeus porque se teme aprofundar a via federal .
Lembro Santo Agostinho, bispo de Hipona, no séc. IV, quando se viam as hordas dos povos então chamados bárbaros (são sempre bárbaros os que estão do outro lado) que cercavam a cidade e o Império Romano estava preste a ruir, que dizia “Não é o mundo que acaba, é um mundo novo que começa.”
“Construir uma Europa de Culturas, de Diálogo, de Cidadania. Dar a conhecer e aproximar os povos e as culturas da Europa. Reforçar a consciência dos cidadãos sobre a riqueza da multiculturalidade e do multilinguismo europeu. Facilitar o diálogo cultural entre a Europa e o resto do mundo.”
 (da candidatura ao título de Guimarães Capital Europeia da Cultura, da responsabilidade do Grupo de Missão em que participou a Administradora da Quaternaire Portugal, Elisa Babo, como representante do Ministério da Cultura).
“Fortalecer as relações entre as instituições europeias e as populações locais. Fomentar a participação dos jovens nas iniciativas tanto ao nível local como europeu. Capacitar os mais jovens a todos os níveis, encorajando-os a ser actores mais proactivos na sociedade.” (da candidatura de Braga Capital Europeia da Juventude).
Este desafio para todos nós cidadãos europeus e cidadãos do mundo começa pelo reconhecimento de que a nossa riqueza provém da nossa disponibilidade para efectuarmos trocas culturais com os outros. Essa magia de trocarmos cultura e produzirmos mestiçagens. Nasce da capacidade de sermos nós, sendo outros. Como escreve um dos grandes escritores contemporâneos de língua portuguesa, o escritor moçambicano Mia Couto, “a grande possibilidade de sermos felizes é poder construir e reconstruir identidades múltiplas ao longo da nossa vida”.
Promover o diálogo entre as culturas da Europa e as outras culturas do mundo e, nesse espírito, valorizar a abertura e a compreensão dos outros, são universais de cultura que não são novos mas que nunca foi tão necessário proclamar.
As duas Capitais percorrem caminhos diferentes, bem se vê, com diferentes agendas programáticas, diferentes estratégias de envolvimento das populações e de atracção de públicos, mas as afinidades quanto às temáticas centrais são evidentes e constituintes dos próprios conceitos.
Seria impensável ignorar as sinergias, as pontes, as articulações e complementaridades e não se gerasse um vai e vem contínuo que partilhasse públicos e iniciativas em que a reflexão, o debate, as boas práticas e a festa pudessem ser contagiantes.
Por isso seria criminoso, por pedantismo centralista ou miopia bairrista, que se desvalorizasse o significado e a oportunidade que se oferece a um território tão rico em ressonâncias da cultura portuguesa que também tem a Marca de Património Europeu (Sé de Braga) e a classificação como Património da Humanidade (Centro Histórico de Guimarães).
“Animados por um imperativo de mudança e qualificação que exige cidadãos competentes, preparados, educados, criativos, qualificados, inovadores, numa cidade que se pretende espaço de convergência, de oportunidades, de vitalidade, desenvolvimento de aprendizagem de sentimentos de identidade e de pertença.” (Guimarães CEC)
“Uma praça pública “Youth Think Tank” dedicada à discussão de temas como a participação e cidadania, criatividade, cultura e inovação, juventude e o mundo, emprego e empreendedorismo, ambiente e desenvolvimento sustentável, igualdade e inclusão social, saúde e bem-estar” (Braga CEJ)
O país deve dar atenção a estes dois acontecimentos e aproveitá-los na sua capacidade de amplificação para fazer ouvir I have a dream, Europa.
A Europa ou é um projecto de povos com as suas idiossincrasias e patrimónios que reflectem o seu percurso histórico e a enriquecem ou não será.

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