quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

OBAMA NA NEW YORKER


A New Yorker é uma revista mal amada em Portugal, considerada por alguns snob, elitista, diletante, excessivamente nova iorquina. Espero vivamente que estes selos não se colem necessariamente aos seus assinantes, mesmo que à distância, porque sou um deles. Para mim é uma grande revista, de cultura marcadamente urbana e isso basta-me.
Mas também é uma revista crucial para compreender o debate político nos Estados Unidos e, no caso do tema que trago hoje para este blogue, um debate fundamental para compreender as alternativas de política económica de abordagem à crise e direi mesmo para mergulhar no insondável da intervenção política.
No número de 30.01.2012, vale a pena dedicar algum tempo de leitura e de estudo a uma das melhores peças de jornalismo político alguma vez escritas sobre o mandato do Presidente Obama. O jornalista é Ryan Lizza e a peça chama-se “The Obama Memos: The Making of a post-post-partisan Presidency”.
Destaco por hoje dois temas cruciais para o debate.
Lizza desmonta com uma inesgotável análise de memorandos trocados entre o corpo de assessores do Presidente e as notas escritas pelo punho deste último como a ideia de campanha de uma Presidência acima do confronto partidário Democratas versus Republicanos foi sendo sistemática e progressivamente posta em causa. A transformação operada na composição do sistema político americano e nas suas duas Câmaras, Congresso e Senado, evoluiu antes pelo contrário no sentido de uma radicalização do confronto: “A retórica de Obama sobre uma nação com objetivos e valores comuns já não se ajusta a este país – há uma América vermelha e uma América azul”. O radicalismo progressivo dos Republicanos suplanta a radicalização democrata e esse posicionamento acaba por polarizar a própria figura de Obama, conduzindo a um mandato mais tático do que galvanizador. Esta matéria merece alguma visita posterior e evidencia bem os limites da intervenção presidencial no contexto político americano.
O segundo tema prende-se com a política económica de abordagem à crise da economia americana. No artigo há material precioso que merece uma visita mais profunda. Disponibiliza, por exemplo, em documento autónomo, o célebre texto inicial de autoria de Larry Summers sobre a dimensão da crise sobre a qual a governação de Obama teria de produzir decisão. Há também elementos preciosos de história económica contemporânea sobre a luta surda que acabou por ser travada entre Christina Romer, Presidente do Conselho de Assessores Económicos e o próprio Summers sobre o montante do estímulo fiscal que deveria ter sido avançado, com vitória para este último que acabou por impor um estímulo de menor dimensão do que o sugerido por Christina Romer. Já neste período inicial se cavara o fosso entre os que cuidavam do estímulo fiscal e os que alertavam para a reduzida margem de manobra proporcionada pela acumulação do défice público, herdando Obama uma pesada herança do Governo Bush – guerras do Afeganistão e Iraque, resgate financeiro da banca e já na Presidência de Obama o salvamento da General Motors e da Chrysler. Hoje, com alguma distância, há elementos para afirmar que Obama subestimou a gravidade da recessão e tudo indica que Christina Romer tinha razão em propor um estímulo de maior dimensão. E a persistência de uma política de conciliação com um muro Republicano intransponível e radical até à medula acabou por ampliar essa incompreensão inicial da verdadeira dimensão do problema a resolver.
Independentemente de saber se estes aspetos custarão ou não a não reeleição de Obama, temos nesta peça jornalística elementos de história económica contemporânea de grande alcance para compreender a Grande Recessão de 2008-09 e as suas atuais sequelas. Para além disso, o sabor amargo de quem acreditou numa viragem da intervenção política vinda da América tem neste artigo abundante material para contextualizar a deceção ou pelo menos o arrefecimento de expectativas.

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