terça-feira, 10 de janeiro de 2012

AS APARENTES CONTRADIÇÕES DA ROTA PARA A DESIGUALDADE

A imprensa nacional (ver Jornal Público de 9.01.2012) acusou com algum desfasamento temporal a disseminação do artigo elaborado sob os auspícios da Comissão Europeia sobre os efeitos distributivos de programas de austeridade em seis economias, incluindo a portuguesa. O artigo mencionado em primeira linha pelo Financial Times e comentado nesse mesmo dia neste blogue tem sido lido não apenas na perspetiva dos impactos distributivos das presentes medidas, mas também como caracterização dos padrões de desigualdade na sociedade portuguesa na presente década.
No artigo do Público emerge um gráfico (construído em torno do mais popular indicador de desigualdade, o coeficiente de GINI), construído em torno de dados disponibilizados pelo PORDATA, que pretende ilustrar o argumento principal que a austeridade atual e futura vai inverter o padrão de diminuição da desigualdade observado ao longo da década até à incidência do resgate financeiro. Compreende-se que o assunto tenha impacto, sobretudo quando pode fazer-se corresponder a cada um dos períodos diferentes legislaturas políticas.
(Aqui reproduzido da publicação INE coordenada pela Profª Manuela Silva)
A ausência de séries longas coerentes sobre os mesmos indicadores de desigualdade, por exemplo, o indicador de GINI perturba a leitura temporal deste fenómeno. As exigências de tecnicidade são elevadas e muito diversificadas, pelo que o tema convida a uma consulta ponderada da investigação disponível. Nesse contexto, chama-se a atenção de dois estudos que constituem um repositório consistente da evolução portuguesa nesta matéria: (i) o estudo coordenado por Manuela Silva para o INE (2010), “Sobre a pobreza, as desigualdades e a privação material em Portugal”; (ii) o estudo coordenado para a Fundação Francisco Manuel dos Santos (2011) por um dos nossos mais consistentes especialistas sobre o tema, Carlos Farinha Rodrigues.
De facto, pelo menos de meados dos anos 90 aos últimos anos da década de 2000, a desigualdade média em Portugal desce moderadamente, sobretudo no período de 1994 a 2000, embora Portugal apresente sempre no contexto da União Europeia e da OCDE um valor comparativo de significativa maior desigualdade. Mas o que é mais relevante assinalar é que são as melhorias observadas nos grupos mais pobres, designadamente os 20% mais pobres que explicam mais consistentemente a redução média da desigualdade. Pelo contrário, nos rendimentos mais elevados a situação é de agravamento ou estagnação da desigualdade.
Aliás, trabalhando alguns dados estatísticos disponibilizados pela mais recente publicação da OCDE (Divided We Stand, 2011), que apresenta para alguns indicadores algumas séries mais longas, conclui-se, por exemplo, que a proporção de rendimento apropriada pelos 10% mais ricos tem um comportamento claramente crescente, estabilizando em alguns sub-períodos.













É neste contexto que o efeito penalizador da austeridade e sobretudo a queda indiscriminada das formas de proteção social que lhe vêm associadas (largamente responsáveis pela já assinalada melhoria anteriormente observada nos 20% mais pobres) tenderão a inverter o padrão médio de desigualdade e modificar de novo o comportamento dos diferentes grupos de rendimento.


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