Estaria longe de imaginar que, algum dia, Rossy de Palma
pudesse ser título de um post para este blogue. Mas a notícia de hoje do P2 do
Público é sugestiva e alinha, por mais obtuso que isso possa parecer, com
algumas das ideias que têm atravessado este espaço de reflexão.
Rossy de Palma é uma das mais controversas mulheres do
universo fílmico de Pedro Almodovar e é nesse quadro que temos de interpretar a
notícia, cujo título é “Crise: Rossy de
Palma tem ‘as contas a zero’ e está ‘zangada”.
Aparentemente, apenas temos aqui um “fait-divers”
urbano, quando muito revelador da fenomenologia complexa das incidências da
crise nas sociedades urbanas e nas indústrias culturais e criativas, com a
correspondente rarefação das oportunidades de trabalho, mesmo para os mais
famosos. Mas Rossy atreve-se a emitir opinião sobre como resolver a crise
financeira: “Imprimam um pouco mais de dinheiro. Vale
mais termos uma inflação do que uma recessão”. Irritada com o
comportamento da banca, acrescenta: “O Governo deu uma
data de dinheiro e agora não dão aos cidadãos”.
Com uma hipoteca de valor elevado e com
‘as contas a zero’, Rossy não é mais nem menos do que muitos cidadãos anónimos
apanhados na armadilha do crédito e pelo já aqui referido processo de
desalavancagem determinado pelo pagamento de dívidas em plena recessão. Mas nas
afirmações de Rossy de Palma está, em meu entender, um dos problemas chave
sobre o qual a presente abordagem à crise das dívidas soberanas nas economias
do sul tende a enredar-se sobre as suas próprias contradições. O mecanismo
fundamental de funcionamento deste tipo de economias que o crédito representa
está ameaçado e sem fluidez alguma. Dir-me-ão que não é para o universo do
consumo urbano sofisticado que esse mecanismo é fundamental. Correto. Mas o
problema não é esse. É que ele também não está a funcionar para o setor
produtivo, designadamente o transacionável. O argumento do empresário Alexandre
Soares Santos para a sua tão discutida operação de deslocalização para a
Holanda da sua holding familiar, para além do peso da instabilidade do futuro
do euro, invoca a ausência de crédito como um dos seus principais fatores
explicativos. Ora, neste caso, não estamos perante um ícon do consumo urbano
sofisticado, mas pelo contrário de capacidade empresarial inequívoca e no âmbito
de um projeto de internacionalização, por isso de risco mínimo ou nulo.
Ora, um processo de ajustamento
estrutural e de resgate financeiro que não resolva o problema do crédito e da
sua reafetação aos ramos sobre os quais se pretende construir uma trajetória
de crescimento é uma falha colossal, um embuste. Sem este problema resolvido, a
já aqui repetidas vezes mencionada retórica do crescimento não passa disso. É tão
só uma retórica. Isto também mostra que, como foi previsto por alguns
analistas, a operação de financiamento do BCE à banca europeia dos fins de 2011
não estará a chegar à economia carenciada de fundos para investir, pois estará
algures presa na banca que a aproveitou para respirar. E o problema globalmente
decisivo, a recessão, persiste. Ou teremos todos de emigrar para ter acesso a crédito?
Não sei se apoiada na blogosfera, em
algum consultor financeiro ou simplesmente na intuição feminina, Rossy toma
partido avançando que vale mais uma inflação do que uma recessão. Ora, a situação
é bem pior: não há qualquer estimativa sólida de aceleração da inflação, antes pelo
contrário, sendo até de esperar que o BCE desça a taxa de juro de referência.
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