domingo, 8 de janeiro de 2012

CHAPÉUS HÁ MUITOS...

Produziram-se, por estes dias, os mais variados e desencontrados, desproporcionados e absurdos, parciais e desfocados argumentos em torno do assunto Jerónimo Martins/família Soares dos Santos/impostos/Holanda/patriotismo… Eu próprio instei, neste espaço, António Barreto a referir-se ao tema, sobretudo porque nele se viu confrontado com uma inédita intersecção de conjuntos: o posicionamento intelectual que escolheu adoptar e as responsabilidades publicamente resultantes, o conteúdo (para-)normativo por que em crescendo tem vindo a optar, as ligações privadas que aceitou assumir e, por fim, a divulgação de decisões empresariais que têm a ver. Terminado há momentos um serão televisivo em que assisti de rajada, na SIC Notícias, à entrevista de Alexandre Soares dos Santos a António José Teixeira e ao episódio semanal da série “Eixo do Mal” (que também debateu a matéria), assaltou-me uma espécie de “fala agora ou cala-te para sempre” e, a quente, decidi-me pela pronúncia que segue.

Tendo a identificar dois planos de análise. Num deles, só José Pacheco Pereira e Clara Ferreira Alves se aproximaram do que julgo ser o “vif du sujet”, a saber: há empresários que, sendo embora inalienavelmente cidadãos, tendem a entusiasmar-se (exceder-se?) nas suas tomadas de posições públicas e políticas. Porque os mesmos não desconhecem a enorme capacidade de influência da sua palavra, a facilidade com que ela pode ser confundida com resultados de anteriores ou ulteriores decisões governativas, o grau de subjectividade, impreparação e desinformação que frequentemente os define na área em causa e a intolerância com que recebem referências/interferências de outros agentes em relação à sua actividade privada e gestionária – falando portuguesmente: têm certamente direito a falar, mas falam seguramente demais!

Esta questão surge agravada pelo significativo poder social/simbólico de alguns e, inclusivamente, por interesses que detêm no domínio dos meios de comunicação. Tanto mais quanto o nosso jornalismo – há excepções pontuais a esta regra! – deu predominantemente no que deu, algures entre preguiça, servilismo e incompetência (pelo menos). É que, se importa muito conhecer o que tem Alexandre Soares dos Santos a transmitir/explicar sobre determinadas dimensões (designadamente do âmbito da sua experiência empresarial, da sua vida profissional e da prática do seu grupo económico), o mesmo não se aplica necessariamente a ter de ouvi-lo como um comentador (pseudo-)especialista em ciência política, sociologia ou psicologia ou como um “senador” da Nação, coisas que não é. Um problema que, sendo comum a todas as sociedades modernas, ganha especial acuidade naquelas, como a nossa, que cresceram rentistas, miméticas, instáveis em valores e sem elites sólidas.

Um segundo plano foi, a meu ver, insuficientemente abordado e tem a ver com gestão e internacionalização, capitalismo e globalização. É que é, no mínimo, improcedente e quixotesco querer-se acusar agentes centrais de um sistema existente de acções consonantes com a sua auto-reprodução ou, pior, querer-se pretender encaminhá-los para acções conducentes à sua auto-fragilização. Em termos simples: o capitalismo vive de empresas, nestas interagem capital e trabalho, o fim último é o lucro, este pressupõe capacidade de gestão e exige expansão e mercados, o capitalismo actual reclama internacionalização empresarial… – ou seja: sim à iniciativa, à competência e à regulação; não a “velhos do Restelo”, a falsos moralismos ou a criticismos balofos que, visando imobilizar sem mais a lógica do sistema, contribuem primordialmente para o empobrecimento do colectivo e das gentes!

Visto deste outro ângulo, Alexandre Soares dos Santos está simplesmente a gerir os seus negócios e, se o fizer com sucesso, a criar “valor accionista”. Se tal passa por transferir sedes de holdings, fazer planeamento fiscal, investir e criar emprego na Polónia ou na Colômbia, procurar ser empresa multinacional, antecipar o fim do euro, financiar-se em praças internacionais ou “whatever” não é – conquanto aja dentro dos limites que o respeito da legalidade lhe deve impor – questão do foro de políticos e comentadores generalistas. Em relação ao País, ele receberá o que tiver de receber, i.e., o que puder ganhar no contexto de uma dinâmica mais vasta e que transcende completamente a sua jurisdição; a este nível, aliás, a alternativa seria sempre pior na medida em que menos riqueza criada é menos riqueza distribuída.

Concluo: Portugal está de pernas para o ar e não se lhe vê grande conserto. Mas, se ainda não estivermos todos tolos, tenhamos pelo menos mais lucidez e menos verborreia nesta espera por um futuro – ou, como disse Vasco Santana, “chapéus há muitos”… Deixe-se, pois, que a Jerónimo Martins siga o seu caminho e deseje-se engenho e sorte aos seus gestores, pedindo-se-lhes paralelamente cautela e contenção em “gritos de alma” e apelando-se-lhes a que nos falem sobretudo do que viveram e do que sabem, de vivência e conhecimento. Até porque, à luz da entrevista (que recomendo), a pessoa Alexandre Soares dos Santos revelou contornos fascinantes…

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