(Our World in Data)
(Não é minha intenção deixar aqui uma grandiloquente e fora de tempo proclamação sobre o nosso eternamente adiado regresso ao Mar como desígnio nacional. Poderia justificar-se mas não é o tempo oportuno para isso. O meu objetivo para hoje é tão só o de sublinhar quão problemática é a nossa, não apenas portuguesa mas mundial, relação com esse recurso quando a abordamos do ponto de vista da sustentabilidade. A reflexão é sugerida por essa fonte inesgotável fonte de informação, um fabuloso serviço público, que o Our World in Data representa.)
Nos tempos mais recentes, temos percebido que a sustentabilidade do planeta e de grande parte dos seus ecossistemas não depende apenas de decisões longínquas face ao nosso quotidiano, ao modo como nele nos posicionamos e fundamentalmente ao modo como consumimos. Não há ninguém de mente aberta e recetiva que fique indiferente aos últimos apelos do sempre incisivo Richard Attenborough, quando ele nos confronta com os consumos insustentáveis per capita de carne e o que eles representam de estímulo de procura à devastação profunda de ecossistemas florestais, cruciais para a batalha da descarbonização.
Alguns de nós pensarão que poderá ser a altura certa para rever a nossa dieta, também em linha com uma nova perspetiva de saúde global, abrindo caminho à retoma da velha tradição portuguesa de comer o nosso “peixinho” de grande qualidade e de assim promover uma dieta mais equilibrada.
O problema é que o mar está também no coração dos problemas da sustentabilidade. E isso acontece por diferentes caminhos. O Our World in Data (link aqui) retoma essa problemática a partir de uma observação de tempo longo. Nos últimos 50 anos, a produção global da pesca e de produtos alimentares relacionados com o mar quadruplicou para uma simples duplicação da população mundial. Numa matemática simples, isso quererá dizer que a população duplicou em média o consumo de peixe. Bem sabemos que estas revelação do foro mundial escondem depois profundas diferenças e desvios entre países e que, por isso, têm de ser temperadas (estamos a falar de alimentação) com a ponderação de contextos particulares. Isso é certo mas era essencialmente a questão mundial que me interessava.
Isto quer dizer apenas que, para além das nossas decisões de gosto ou de adaptação cívica e sustentável dos nossos hábitos de consumo alimentar, há uma relação indissociável que não pode ser ignorada entre o estado da arte dos stocks de peixe e a intensidade da sua captura, pescar muito ou pescar pouco em estreita linha com o estado desses stocks.
Os dados do Our World in Data são eloquentes em relação a esta matéria. Dos stocks conhecidos, só 6% estão subutilizados, 66% estão a ser mobilizados de forma sustentável ou seja permitindo a sua renovação e 24% revelam sinais de utilização abusiva, comprometendo a sua renovação. Vendo o problema na perspetiva da captura, os dados revelam que 79% pode ser considerada sustentável e 21% equivalendo a uma situação de sobrepesca insustentável.
Confesso que no panorama global esperaria uma situação mais grave, embora se saiba que estes valores médios mundiais traduzirão depois situações particulares mais insustentáveis e gravosas para a renovação dos stocks de algumas espécies. O que estes números revelam é que as questões do palato gastronómico e da revisão da dieta alimentar não poderão ser dissociadas da investigação e monitorização permanentes sobre o estado dos stocks e sobretudo das estratégias empresariais de captura. A sustentabilidade depende assim de uma triangulação que não pode fissurar por nenhum dos seus vértices, e os consumidores não podem sacudir a água do capote.
Mas a associação dos assuntos do mar à sustentabilidade não se fica por aqui. Indiretamente, uma das traves mestras do nosso modelo de consumo está também a repercutir-se na saúde dos oceanos e dos ecossistemas organizados em torno deste recurso.
O Our World in Data fornece-nos também informação relevante sobre a praga dos plásticos. As estimativas mais recentes apontam para que a produção mundial de plásticos anual seja de 850 milhões de toneladas, da qual o número mais redondo conhecido de depósito nos oceanos por diferentes vias seja 3%, algo em torno dos 8 milhões de toneladas. Esta percentagem de detritos de plásticos depositados nos oceanos está longe de estar isenta de dificuldades e imprecisões. A questão deriva do facto do plástico identificado na superfície das águas ser bastante inferior a esse número, facto que alguns autores designam de mistério do plástico desaparecido. Várias explicações têm sido propostas para esta contradição de dados. Desde a tese da desmultiplicação dos plásticos em pequenos fragmentos e sua ingestão por organismos vivos ou transformação em sedimentos à mais recente de que parte do plástico vertido é lavado ou queimados nas linhas de costa têm-se sucedido os argumentos para explicar o referido mistério. Este mistério adensa-se com os dados que apontam para uma grande longevidade de permanência dos detritos de plástico nos oceanos e um longo período até que se autodestruam e fragmentem.
O Our World In Data cita um estudo de 2019[1] que projeta as emissões de plásticos para o oceano segundo três cenários, suspensão das emissões em 2020, crescimento até 2020 e nivelamento e crescimento continuado até 2050 segundo o histórico anterior.
Os cenários em termos de depósitos de macro e microplásticos no oceano são um pouco aterradores.
Moral da história:
O mar pode ser um recurso-desígnio ou uma nostalgia do passado de quando dominávamos os seus percursos, tudo depende da nossa capacidade de projeto e de sustentação da vontade política. Mas entre nós, consumidores e cidadãos e esse recurso, há problemas de sustentabilidade que não se resolvem sem o nosso próprio compromisso.
[1] Lebreton, L., Egger, M., & Slat, B. (2019). A global mass budget for positively buoyant macroplastic debris in the ocean. Scientific reports, 9(1), 1-10.
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