terça-feira, 26 de outubro de 2021

A FALAR DE COMUNICAÇÃO

 

(Não é frequente mobilizar o espaço deste blogue para escrever sobre a projeção exterior das minhas atividades profissionais. É uma questão de feitio, de recato e sobretudo porque ao contrário do que ingenuamente pensava quando há onze anos o INTERESSE foi lançado, a recetividade de escrever para este espaço entre os que mais frequentemente trabalham comigo foi nula. Assim sendo, limito essas referências ao mínimo, centrando-me sobretudo nos momentos de maior divulgação pública e projeção na comunicação social, pois este vosso Amigo, embora reservado e a tender para o bicho do buraco, também não enjeita expor-se e vai à luta quando é necessário e sobretudo quando lhe proporcionam a oportunidade. Afinal, já tenho idade e altura suficientes para não me por em bicos de pés por dá cá aquela palha.

A minha intervenção no próximo dia 28 em Lisboa, nas instalações do Público na Doca de Alcântara Norte, cumpre perfeitamente esse critério. Explico o contexto.

Concluímos há relativamente pouco tempo um estimulante exercício de avaliação da Estratégia de Comunicação do Programa Operacional Capital Humano, um dos mais importantes Programas Operacionais do PT 2014-2020, que tem a seu cargo o apoio à educação e formação inicial, tais como os Cursos Profissionais e outras modalidades de qualificação inicial, a formação de adultos, o apoio à formação avançada (doutoramentos) e inicialmente aos TeSP, os tais cursos que não garantem um diploma de ensino superior mas que contam para a taxa de escolarização e a formação de professores e de formadores. A avaliação de estratégias de comunicação como esta do PO Capital Humano é realizada por equipas (por mim coordenadas) que dominam bem as metodologias de avaliação, mas que não são obviamente especialistas em comunicação. Essa componente é proporcionada por especialistas e consultores científicos externos, como neste caso o foram o Professor Gustavo Cardoso do ISCTE e o Pedro Guilherme especialista também em comunicação.

O assunto interessa-me pois já há muito tempo defendo que a notoriedade e boa avaliação dos Fundos Europeus junto da população portuguesa tem de lidar com uma má imprensa, que toma o ponto pelo todo, ou seja encara a imagem global de desempenho dos Fundos Europeus em Portugal a partir de insucessos ou desvios frequentemente pontuais, que não refletem o panorama global da utilização. Isto não significa que não haja matéria de avaliação do conteúdo estratégico de alguns apoios, sobretudo quando sabemos que na máquina de utilização dos Fundos Europeus em Portugal predomina uma visão que designo de esquizofrénica: muitas dúvidas quanto à boa utilização dos mesmos mas quando cheira a problemas de execução, designadamente por se ir à procura de projetos mais estratégicos, aqui d’el Rey que o País está a desperdiçar Fundos. Ainda hoje os jornais fazem eco das preocupações do Tribunal de Contas quanto aos problemas de absorção de fundos. Afinal em que ficámos?

Ambientes de enviesamento sistemático de ideias e perceções como este só se combatem com resultados concretos e indo à luta da discussão com matéria concreta e por isso a divulgação na comunicação social de resultados de processos de avaliação é crucial para elevar o nível da discussão para lá das suspeições mais preguiçosas.

O evento da próxima quinta feira insere-se nesse propósito e louve-se, por isso, a Autoridade de Gestão do PO Capital Humano e da sua equipa de comunicação por realizar essa iniciativa em colaboração como jornal PÚBLICO. Assim, depois das intervenções da praxe e da apresentação sucinta dos resultados do próprio estudo, seguir-se-á um debate com este vosso Amigo, o professor Gustavo Cardoso, a jornalista Mónica Silvares do ECO e o Presidente da Autoridade de Gestão Dr. Joaquim Bernardo, com moderação do jornalista Manuel Carvalho, o que é uma prova do empenho do PÚBLICO na iniciativa que cede as suas instalações.

Não vou entrar aqui em pormenores técnicos do estudo, que em termos metodológicos até é pioneiro, nunca uma estratégia de comunicação tinha sido avaliada com esta metodologia. Mas vale a pena partilhar os resultados das três principais sondagens/inquéritos realizados a três universos distintos: à população portuguesa para avaliar da notoriedade global das realizações do Programa Operacional Capital Humano; aos beneficiários do PO (Escolas e psicólogos inseridos nos serviços de orientação escolar apoiados) que têm um grande envolvimento no programa e que medeiam a ação dos públicos finais e, finalmente, aos destinatários finais do PO (essencialmente jovens e adultos).

Os diferentes resultados alcançados com estes três universos são por nós trabalhados para construir o que chamamos a narrativa da avaliação e a explicação das razões da mesma. Os resultados alcançados permitem concluir que a notoriedade gerada junto da população é baixa em linha com o observado noutros programas e em parte também explicada pelo facto das principais campanhas dirigidas ao público só na fase final de implementação foram asseguradas e o período mais recente estava fora do que tínhamos para avaliar. A notoriedade aumenta significativamente no caso dos beneficiários, o que evidencia a ideia de que quanto maior for o envolvimento dos inquiridos na implementação do programa (o que é o caso dos beneficiários) maior é o impacto comunicacional alcançado. E a questão mais intrigante é a perda de notoriedade, face aos beneficiários, que a estratégia de comunicação consegue para o programa junto dos destinatários finais dos apoios (jovens e adultos, designadamente). 

 

Os dois slides anteriormente apresentados merecem uma ampla discussão.

Quase 60% dos destinatários finais desconhece em termos de notoriedade a origem dos apoios que recebem, sendo esse valor mais intrigante do que os 80% da população em geral que não reconhece o programa.

E, no caso da perceção mais global relativa ao contributo dos Fundos Europeus para o desenvolvimento do País, não é menos intrigante que os destinatários finais sejam ainda mais céticos em relação a esse contributo do que a população em geral (36,2% contra 38,5%).

Não vou obviamente antecipar-me ao sentido da discussão da próxima quinta feira. Mas sobretudo em relação aos jovens apoiados pelo PO mas apeteceria perguntar: que raio de monstrosinhos estamos a apoiar? Claro que essa é a explicação fácil. O que estes resultados mostram é que, para além dos apoios prestados, é necessário trabalhar mais intensamente com os apoiados. Afinal, é o mínimo é exigir a quem é apoiado uma maior atenção e respeito pelas ajudas que estão a receber para irem em busca de trajetórias mais virtuosas de qualificações e empregabilidade.

Até quinta feira.

Nota final:

Os meus agradecimentos às colegas Filipa Barreira e Mariana Rodrigues por terem tornado possível este exercício de avaliação

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