(Capa do Expresso, de hoje) |
(Com a flutuação que caracteriza o nosso tempo mediático, os casos do tiro no submarino que não é amarelo na batalha naval que envolveu ministro da Defesa, Primeiro-Ministro e Presidente da República e da fuga para uma estadia de papo para o ar de uma das figuras mais execráveis do sistema financeiro português rapidamente se sobrepuseram ao debate de estarmos ou não na lenta passagem para a antecâmara de uma viragem de ciclo político. Como os casos assinalados se limitam a reiterar dimensões cavernosas dos nossos sistemas político e judicial que tardamos em erradicar, talvez valha a pena continuar a discutir a questão dos ciclos políticos em curso. É o que vou tentar fazer hoje, sobretudo porque começam a surgir novos dados sobre os resultados eleitorais do passado dia 26).
Há quem pense, e se calhar não pensa mal, que a genuinidade das eleições de proximidade pode por vezes ocultar mudanças mais amplas no eleitorado nacional, sem deixar de meditar na abstenção que mesmo em contextos de luta local se manifesta. Julgo que é o Miguel Sousa Tavares hoje no Expresso que destaca na eleição de Lisboa que, para além da impressão suscitada no eleitorado pelas características pessoais de Medina e Moedas, à dose de bruto de política nacional que António Costa transportou para as locais respondeu o eleitorado lisboeta com uma tomada de posição política e que deve ser assim lida.
De facto e apesar da relativa folga política de desgaste que a gestão da pandemia trouxe ao governo, contrariando frontalmente os analistas políticos que viam um António Costa destroçado passado o pior da pandemia, a verdade é que talvez valha a pena não abandonar a ideia de desgaste. Não de um desgaste pandémico, mas de desgaste político associado à própria governação, que existiria com ou sem pandemia. E, sobretudo devido à mediatização da política que se faz em Portugal, desgaste também pela sucessão sem fim de tiros no pé suscitados por situações menos ponderadas, resolvidas mais pelos pés e não pelas cabeças. O rol dessas situações que deixam mossa e marcas não caberia neste post, sucessivamente prolongada pelos dois casos referidos no início deste post e já com um outro na calha, anunciando dificuldades de relacionamento entre Pedro Nuno Santos e o ministro das Finanças. E já não falo no moer lento que a TAP irá trazer à governação, tudo porque não ousamos questionar a ideia de companhia de bandeira.
Tudo isto vai moendo a governação. E o tempo conta em política, especialmente num eleitorado como o nacional que é intuitivo e que, ao contrário do catastrofismo de tiradas parvas e tontas como a da mexicanização do regime, mantém viva a sensibilidade quanto aos momentos em que a alternância democrática se sobrepõe a tudo o resto.
E há ainda a errada maneira como o PRR saltou para a campanha eleitoral. Atenção que não alinho com aqueles que, transformados em virgens ofendidas, se insurgiram quanto ao modo como António Costa trouxe para a campanha o PRR. A importância do processo justificaria essa ênfase mas não com a perspetiva quantitativa da bazuca. O PRR pode trazer à economia e à sociedade portuguesa projetos bem interessantes para dimensões necessitadas de inovação e qualidade. Teria sido, assim, bem mais eficaz se o primeiro-Ministro tivesse vincado as transformações que o PRR pode gerar na economia portuguesa. Mas os assessores de comunicação e, está nos livros, a partir de um certo momento a entourage política mais próxima deixa-se subjugar pelas métricas da comunicação, só vê números à sua frente e espanta-me que um político experimentado como António Costa se tenha deixado ir nessa onda.
Em resumo, alinho com os que sustentam que os resultados de 26 de setembro são para ser lidos também na perspetiva dos sinais emergentes ou tendenciais para ciclos políticos diferentes. Quanto a Lisboa em si, a minha posição é a de que para uma maioria sociológica de esquerda clara que existe na capital as soluções políticas devem refletir essa maioria, como o já saudoso Jorge Sampaio intuiu e praticou com êxito. O perdedor Rui Tavares também o reconheceu na sua primeira crónica após eleições.
O tempo de preparação dessa viragem vai ser entretanto lento. Essencialmente porque à direita as questões não estão resolvidas. A tensão continua a existir. A direita mais jovem sai revigorada com a presença na campanha de Moedas de gente claramente associada a Passos Coelho e com fortes laços ao que chamo a direita Observador (não necessariamente a revanchista e desiludida da política que por ali escreve). É pura futurologia saber se Rio foi sincero na escolha de Moedas ou se cedeu a alguém próximo mais maquiavélico, não faço a mínima ideia. O que me interessa discutir é se Rio poderá ou não capitalizar e cavalgar internamente a vitória de Moedas como património. Tenho dúvidas que o possa fazer e talvez tenha de limitar-se a outros resultados que não o de Lisboa.
Por isso, compreendo bem os alertas de Lobo Xavier na Circulatura do Quadrado quanto à inconsistência ainda visível na ideia de alternativa para a viragem. Ou seja, a preparação do caminho que Rio fará até 2023 não vai ser concretizada com a pacificação interna que desejaria.
Quanto ao PS tem nessas condições tempo para se focar numa governação mais estruturada, transparente e focada em resultados que impactem a vida dos portugueses e sobretudo suster de vez a prática dos tiros nos pés.
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