(É relativamente fácil intuir que a comparação entre as crises de 2007-2008 e a pandémica, seja no caráter socialmente gravoso dos seus efeitos, seja nas particularidades das respetivas recuperações, tenderá a ser um manancial gigantesco de investigação e literatura publicada. Um dos pontos de interesse mais sugestivos é que, para a forte penosidade dos efeitos em ambas as crises, existe uma diferença crucial – na crise pandémica a expiação pela austeridade foi mandada às urtigas – e essa diferença é suficientemente marcante para suscitar todas as investigações e mais alguma. Claro que também existe o contraponto da ameaça da inflação, mas isso entra obviamente na equação comparativa. Trata-se, por isso, de matéria a seguir com atenção, à medida que os resultados comecem a aparecer.
Como geralmente acontece nestas coisas, começa quem dispõe de melhor e mais atempada informação estatística, já que ainda estamos a viver a recuperação da crise pandémica. Por isso, para assegurar uma comparação plena, é necessário termos disponível informação mais pormenorizada sobre a recuperação pandémica, designadamente como é que evoluiu o rendimento dos diferentes grupos sociais, representados pelos percentis da população sobre os quais é possível captar informação.
É sem surpresa que o debate tenha essencialmente começado pelos EUA e isso deve-se a razões bem simples. Nos EUA, ambas as crises bateram forte e a resposta à pandemia e crise económica e social deu origem a um gigantesco programa de estímulos à economia e às famílias. E, por outro lado, informação não falta, diversificada e com diferentes origens.
J.W. Mason (link aqui) explora o facto de, embora o American Community Survey anual não ter ainda publicado os dados de 2020, o Current Population Survey relacionado com questões do mercado de trabalho conter uma pergunta dirigida às famílias inquiridas que indaga sobre a variação do rendimento agregado de todos os membros da família nos últimos 12 meses. Como a pergunta especifica que o rendimento inclui todas as origens como salários, rendimento de atividade económica própria, dividendos, pagamentos da Segurança Social, entre outros, o Professor economista utiliza essa fonte como um instrumento de comparação, ainda imperfeito, mas apresentando a enorme vantagem de proporcionar análise em tempo real.
E fá-lo de duas maneiras, primeiro calculando rendimentos reais sem ter em conta a dimensão da família e ajustando depois por esta última calculando rendimentos reais per capita.
O resultado do confronto entre as duas crises, percebido pelo impacto que elas tiveram na variação do rendimento dos diferentes percentis de população, é esclarecedor, como o mostra o gráfico que abre este post. A comparação mais gritante é a que incide sobre os percentis de rendimentos mais baixos. Na crise pandémica e fruto obviamente do tipo der intervenção pública que foi possível desencadear, são os ganhos de rendimento dos grupos mais pobres, que se contrapõe a uma descida mais suave de rendimentos nos grupos com rendimentos mais elevados (linha verde). Na crise de 2007-2008, o comportamento foi de certo modo inverso, com perdas sérias de rendimento nos grupos de mais baixos rendimentos e perdas mais suaves nos grupos de rendimentos mais elevados.
A moral da história é que uma decisão firme em termos de políticas públicas compensa e que o risco inflacionário vale a pena corrê-lo. A equipa de Biden entendeu-o claramente e embora lhe possamos assacar outras insuficiências, em matéria de estímulos a razão está do seu lado.
A partir destes dados exploratórios e pioneiros dos EUA ganhamos curiosidade para se saber o que terá acontecido em Portugal, onde os estímulos não ascenderam à magnitude dos EUA. Será que tivemos um comportamento similar ou em matéria de efeitos as duas crises (em Portugal a de 2007-2008 mais alargada no tempo, porque se prolongou para a crise das dívidas soberanas) há mais aproximação?
Uma boa questão para seguirmos os seus contornos.
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