(Através de um post no Facebook do Professor João Cerejeira da Universidade do Minho, fui alertado para um artigo de João Moreira Rato no Novo Semanário, link aqui, que importa aqui comentar pois suscita uma boa discussão sobre um intrigante aspeto da economia portuguesa. Recordar o título desse artigo acaba por ser a melhor maneira de justificar a sua invocação para o post de hoje, “Porque será que a melhor geração de sempre não é muito mais produtiva?”).
Citemos, por isso, o argumento:
“Quando olhamos para os dados económicos, deparamo-nos com um enigma: a produtividade da nossa economia, medida como o produto interno bruto por hora trabalhada, diverge das médias da União Europeia e da OCDE há mais de sete anos. Este fenómeno é enigmático porque parece não ser explicado pela variação do stock de capital na economia (um trabalhador com mais maquinaria para trabalhar deveria ser mais produtivo) e porque a evolução da formação dos trabalhadores (a tal geração mais qualificada de sempre) e das medidas de inovação e desenvolvimento de novos produtos (patentes, por exemplo) nos fariam esperar o contrário. Ou seja, se olharmos para a evolução do país em termos de formação e de desenvolvimento de novos produtos, deveríamos estar a observar não só uma evolução mais rápida da produtividade, como uma convergência para níveis europeus, e não uma divergência”
A questão colocada por João Moreira Rato, que ele invoca como algo que tem de ter uma resposta no âmbito do diálogo e negociação com investidores estrangeiros, é complexa e tem a meu ver várias respostas possíveis.
A primeira questão prende-se com o suporte de literatura e investigação económica que permite ao economista colocar a questão. O suporte teórico está essencialmente ligado com as ligações relativamente robustas que vários estudos identificaram existir entre a dotação de capital humano de uma economia e o seu produto e produtividade do trabalho (produto por hora trabalhada). O capital humano, medida pela formação secundária, superior e avançada, é uma variável independente que controlada por uma série de outras variáveis parece explicar crescimentos de produto e produtividade. Mas esta relação, convém reconhecê-lo, exige uma variedade de mediações, uma das quais de maior relevância é a organização em que essa relação se processa. Todos nós conhecemos a evidência de que os trabalhadores portugueses quando inseridos em empresas multinacionais de grande porte e rigor organizacional, seja em empresas estrangeiras localizadas em território nacional, seja no exterior, estão na origem do estatuto de campeãs da produtividade no interior dos respetivos grupos.
Um outro aspeto menos referido dos estudos que suportam o argumento-interrogação de JMR é o facto da relação robusta existir entre dotação de capital humano num certo momento do tempo e o desempenho do produto e da produtividade. É por isso o stock total de capital humano com formação secundária, superior e avançada que conta e não os novos fluxos de gente mais qualificada que chega ao mercado de trabalho. Assim sendo, à pergunta “porque será que a melhor geração de sempre não é muito mais produtiva?” poderemos responder que essa geração mais qualificada insere-se em organizações cuja grande maioria acolhe outro tipo de trabalhadores, cuja qualificação não se aproxima da nova geração. A fundamentação para este argumento encontramo-la em estudos que seccionam a variação da produtividade por tipos de empresas, designadamente do ponto de vista do peso do trabalho qualificado. A variação da produtividade parece responder à mais elevada qualificação da estrutura do emprego e isso também pode dever-se ao facto dessas empresas tenderem muito provavelmente a apresentar modelos de gestão mais profissionalizada, maior inovação e capacitação tecnológicas e modelos de organização mais favoráveis à produtividade.
Uma outra questão que tende a ser fortemente esbatida senão mesmo ignorada no debate sobre a produtividade em Portugal prende-se com o modo de cálculo da produtividade por hora trabalhada. Esta produtividade só muito raramente é do tipo “físico-físico”. Ou seja, se no denominador não há dúvida de que é uma grandeza física que está lá calculada, as horas trabalhadas, no numerador é na maioria das vezes uma grandeza monetária que calculamos, o produto ou o valor acrescentado. Isso significa que o preço a que conseguimos vender o produto, seja no mercado internacional, seja no interno, a remuneração do trabalho e do capital influenciam o numerador e, consequente, o rácio relativo às horas trabalhadas. Assim sendo, não apenas as baixas qualificações influenciam negativamente a produtividade, mas também o preço através do qual nos inscrevemos na competição internacional, as remunerações do trabalho e do capital podem exercer um efeito de rebaixamento. Creio que uma larga parte da inércia que parece dominar a evolução da produtividade do trabalho se deve a estes fatores que são de ceto modo a face oculta do nosso modelo de especialização.
Claro que poderíamos falar de outras matérias mais macro, o perfil de especialização da economia portuguesa e a própria estrutura empresarial, como matérias influenciadoras da referida inércia.
Quanto ao primeiro aspeto, uma larga parte do nosso tecido empresarial, têxtil-vestuário, calçado, mobiliário de madeira e metálico, metalomecânica, por exemplo, esgotou já praticamente os ganhos de produtividade possíveis com o seu processo incremental de inovação e modernização. Ganhos mais disruptivos exigiram mais inovação radical em Portugal e o que sabemos é que isso só será possível em determinados nichos de mercado e não de forma generalizada.
Quanto ao segundo aspeto, obviamente que um processo de destruição criadora das empresas com maior propensão à utilização de trabalho desqualificado tenderia a fazer aumentar o nível médio de produtividade do trabalho. Mas aí emergiria o velho conflito emprego-produtividade. Mas, nas condições atuais de declínio demográfico que enquadrará a economia portuguesa durante algumas décadas e de força de trabalho reduzida para rejuvenescer o mercado de trabalho, é a variável produtividade que pode mitigar os efeitos penalizadores do declínio demográfico sobre o produto potencial da economia portuguesa.
Em resumo, a interrogação colocada por João Moreira Rato não pode ser remetida para a família dos paradoxos. Há razões objetivas para que a melhor geração de sempre não chegue para abanar a inércia da produtividade. Mas isso não é razão para esmorecer na continuidade da qualificação da economia portuguesa. Aliás não vejo outra saída. O que teremos é de segmentar a análise e mostrar que essa inércia não existe para as empresas em que o peso do trabalho qualificado e a devida remuneração por essas novas qualificações caracteriza a estrutura empresarial.
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