quarta-feira, 6 de outubro de 2021

O BOLETIM DE OUTUBRO 2021 DO BANCO DE PORTUGAL

(O boletim económico de outubro 2021 do Banco de Portugal não traz grandes novidades no plano global, mas dá para consolidar a perceção que tínhamos do primeiro semestre de 2021 e consolidar estimativas para este ano que se aproxima do fim. Mas há aprofundamentos informativos que o boletim nos traz que são úteis para compreender com lentes mais aperfeiçoadas a capacidade de resposta revelada à crise pandémica. E a sensação com que fico, à medida que a recuperação se vai tornando mais clara, é algo de nacionalmente recorrente e a que este blogue tem dado bastante atenção. Sistematizaria essa sensação nesta fórmula: embora penando e resistindo ao sofrimento, somos relativamente bons em recuperar de crises; o problema está nos entretantos, ou seja nos tempos de bonança; falta de foco, preguiça, mais cigarras do que formigas, sei lá, impede-nos de pensar mais organizadamente o futuro coletivo. Este vosso amigo que trabalha em estratégia começa sinceramente a pensar que, face à nossa evidência, os nossos quadros de formulação de estratégias devem precisar de ser reconsiderados. Assim sendo, dirão alguns que venham as crises, que lá resistiremos e embora penando lá vamos mexendo e avançando. Mas para a minha atual capacidade de equilíbrio parece-me um futuro demasiado em fio de navalha e, para mais, não sei patinar).

 

Como antes referi, o boletim (link aqui) não traz grandes novidades do ponto de vista global. O segundo trimestre de 2021 confirma a recuperação, com a política orçamental/fiscal, essencialmente traduzida no aumento da despesa primária das administrações públicas de 39,5% do PIB em 2019 para 44,3%, a pontificar, destacando-se nesse esforço os encargos com os subsídios às empresas (apoio à retoma progressiva da atividade e lay-off simplificado). Esta evidência desmonta o discurso das organizações empresariais portuguesas segundo o qual os apoios públicos foram um deserto. O mesmo aconteceu com as prestações sociais nominais.

No plano externo, confirma-se a perspetiva de que as exportações de bens recuperaram melhor do que as dos serviços, tirando partido de condições mais favoráveis de recuperação europeia. E nos serviços não é apenas a questão das receitas do turismo a explicar essa menor recuperação.

É relevante registar ainda que o investimento privado (Formação Bruta de Capital Fixo das Empresas) se ressente já em 2021 das perturbações nas cadeias de abastecimento de matérias-primas e de produtos intermédios e que o investimento público começa finalmente a refletir a presença dos Fundos Europeus.

O comportamento em queda da taxa de poupança das famílias começa a confirmar que o seu aumento foi essencialmente determinado pelas condições de incerteza pandémica. Qualquer esperança de que estivéssemos perante um comportamento estrutural ascendente da taxa de poupança começa a dissipar-se.

Em meu entender, uma dimensão em que o boletim de outubro se revela de grande utilidade reporta a concretizações um pouco mais sofisticadas de informação, trabalhadas sob a forma de caixas, em que podemos recolher ideias interessantes.


A primeira relaciona-se com um esforço analítico das equipas do Banco de Portugal em trabalhar os empréstimos bancários às empresas, o que permite calcular o chamado “empréstimo típico” e analisar a sua evolução ao longo do tempo. A metodologia consiste em expurgar dos empréstimos o que são as condições específicas de crédito atribuídas às empresas. Assim, comparando o comportamento do sistema bancário na crise das dívidas soberanas com a crise pandémica observa-se que à queda de 6% no empréstimo típico na crise das dívidas soberanas se contrapõe o aumento de 11% nesta crise pandémica. Se dúvidas houvesse no confronto da tipologia das duas crises, estes dados dissipam quaisquer dívidas a esse respeito. E as diferenças observadas têm também conotações redistributivas. Na crise das dívidas soberanas, a queda do empréstimo típico atingiu transversalmente praticamente todos os escalões de dimensão. Na crise pandémica foram essencialmente as empresas de mais pequena dimensão a serem beneficiadas. Aumentou também mais nas empresas dos setores mais afetados pela pandemia. O que sugere um bom desempenho do crédito bancário.

A segunda sofisticação diz respeito ao tratamento aprofundado das exportações (expurgadas dos combustíveis por razões de flutuação de preços) de bens para a União Europeia. Os cálculos realizados permitem concluir que a perda de peso das exportações portuguesas na União Europeia relativamente a 2019 se deve a efeitos de especialização produtiva (as nossas exportações alinharam menos com o padrão dominante das importações da UE), que não foi suficientemente compensados pelos ganhos de quota de mercado observados pelas exportações nacionais, sobretudo em Espanha e em França. Os efeitos de especialização produtiva foram essencialmente associados às nossas exportações de material de transporte e de vestuário, onde me parece ter existido um efeito confinamento nos países nossos mercados.

A terceira nota diz-nos que a pandemia foi particularmente dinâmica em termos de dinâmica de mudança inter-setorial de emprego. A agricultura, a produção animal e a construção beneficiaram dessa mudança , que penalizou a idústria e os serviços.

Finalmente, a quarta sofisticação de informação que destaco diz respeito ao mercado de trabalho. Os dados apontam para dinâmicas significativas no âmbito dos chamados desencorajados, provenientes dominantemente do comércio e com aumento da qualificação média dos mesmos. A relevância desta categoria deve não só ao aumento da sua massa de indivíduos, mas também à dinâmica dos fluxos do desencorajamento para o desemprego e para o emprego, sugerindo uma vez mais que temos dedicado pouca atenção ao comportamento deste grupo na dinâmica do mercado de trabalho.

 

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