(A lassidão típica de um outono ainda ameno, com salpicos de chuva inofensivos a não incomodar a acalmia profunda que se apodera das águas do Minho, domina o fim de semana pelas bandas de Seixas, em período fora de estação que alguns restaurantes e outros negócios aproveitam para umas curtas férias, enganando o corpo e preparando-o para a labuta de mais um ano que se aproxima. E nesta lassidão é difícil fixar-me num tema, daí o tema vária, afinal uma miscelânea de assuntos, ao correr mais da pena do que da imaginação.)
Sábado, na azáfama da frutaria da praça, discutia-se a morte de alguém, um homem de 85 anos, que vivia totalmente sozinho, sem quaisquer familiares nas proximidades, fruto de uma emigração que se terá fixado por terras de França e de circunstâncias que não serão nunca do nosso conhecimento. O mito de que apenas o isolamento urbano é dramático e de que por terras de mais baixa densidade vai persistindo alguma solidariedade rural que mitiga ou ameniza esse isolamento parece-me que é precisamente isso, um mito. O deslaçamento da vida em comum acontece quando a massa populacional das populações desce abaixo de limiares que ninguém sabe quantificar. Entre o desenraizamento relativamente acompanhado de uma institucionalização qualquer e a vontade de permanecer no seu mundo, irredutivelmente de isolamento, colocam-se questões éticas e morais de grande profundidade e por isso entendo que as políticas locais têm de gerir o equilíbrio das situações e sobretudo das vontades de cada um. Não faço ideia se o homem em causa estaria supervisionado pelas instituições locais de apoio social, talvez estivesse, ou não, e que a morte tenha provocado uma partida inesperada, surpreendo-o na sua máxima vulnerabilidade.
Convoco o tema para a reflexão, pois o isolamento de idosos será cada vez mais uma dura realidade e a sociedade portuguesa tarda em encontrar o equilíbrio de que falava há pouco, pois não acredito que a institucionalização seja sempre a melhor solução.
Nos jornais de fim de semana, o abismo de uma irracional crise política que a ninguém aproveita domina a quase generalidade das reflexões. Para mim, o modo como o espectro da crise política se instalou tem que ver fortemente com aquela sensação de que o eleitorado central, volátil e que vota em função de perceções políticas e de antecipação do seu futuro, não por consistência ideológica, está naqueles momentos em que pode operar-se uma profunda reviravolta. Creio que o PS e particularmente António Costa perceberam que a vitória de Carlos Moedas em Lisboa quer dizer exatamente isso, sobretudo a partir do momento em que a esquerda maioritária continua a não entender o legado de Jorge Sampaio. Nestes momentos, a dinâmica é cumulativa e não acontece por mutações discretas. É essa perceção que leva a direita do PSD a acreditar que é este o tempo do ataque decisivo a Rui Rio e que tal mudança pode ser capitalizada para mais largos voos. A propensão para o abismo da esquerda é fatal e aconselharia, se a marcação de eleições se confirmar, o PCP e o Bloco a encomendarem as suas lápides de autocrítica, pois terão um lindo enterro nas urnas. A solução do acordo à esquerda é válida enquanto as condições existirem para ela existir. Se PCP e Bloco entendem que não há condições para prosseguir, embora não consiga entender o racional, que vão à vida, é melhor do que engonhar e ocupar o espaço mediático com argumentação que ninguém entende.
Finalmente, a pandemia continua a ser tema. Os números portugueses parecem estabilizar em torno de relativamente baixos níveis de incidência e com 85% de população totalmente vacinada acho que ninguém consegue explicar com rigor sobretudo os internamentos ainda existentes e as mortes. Uma parte significativa das questões que conduzem à nossa interrogação pode ter resposta a partir do que se vai passando noutros países com taxas de vacinação bem mais baixas do que o feito português, como por exemplo os EUA.
Do que se sabe da virologia, a mutação do coronavírus pode evoluir segundo três principais possibilidades: tornar-se mais transmissível como parece ter acontecido com a sequência de variantes até agora registada, melhorar a sua capacidade de despistar o nosso sistema imunitário ou tornar-se claramente mais virulento, provocando maior gravidade de doença ou a morte. Sabemos ainda que a sequência mutante tem limites temporais, que existirá algures no tempo um planalto, mas o que não sabemos é se já estamos lá, se estaremos perto ou, pelo contrário, longe.
O que estará em processo é antes o conflito clássico entre a própria capacidade de adaptação dos nossos sistemas imunitários e o poder de mutação do vírus em novas variantes. Alguém disse que o vírus não tem interesse em matar-nos como máquina de replicação que ele é e que as nossas células T e B, responsáveis pela formação de anticorpos estão a comportar-se conforme a ciência nos ensinou. O que quer isto dizer é que essa luta entre o poder mutante do vírus (segundo aquelas três possibilidades atrás referidas) e os nossos sistemas imunitários só agora começou. A grande vulnerabilidade que persiste é a continuidade de existência de vastas massas de população sem qualquer proteção, seja por força da ignorância negacionista, seja pela desigualdade de recursos a nível mundial. Quanto a esta vulnerabilidade, sabemos que a curto prazo ela não vai dissipar-se. Ora, sendo assim, isso favorece o talento mutante do vírus, tal como a virologia nos ensina desde há longo tempo.
O que não deixa de ser uma curiosidade. Perante tanta indeterminação, como dizia um médico americano num artigo do New York Times este fim de semana (link aqui), o vírus está a atuar segundo regras imunológicas que a comunidade científica compreende relativamente bem, o que não significa que não possa provocar surpresas.
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